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Um ano sem o amor da minha vida

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Um ano sem o amor da minha vida
O hospital avisando-me da morte de meu pai

Há exatamente um ano, no quase final de noite, recebo o mais dolorido telefonema da minha vida: era o hospital avisando-me da morte de meu pai. Não sei que reação tive, nem se reação tive. No meu limiar de dor, essa era incontável, inominável. De repente o nada, o vazio soluçando o próprio vazio. A voz encalacrada, o drama de olhos afogados numa maré alta de lágrimas inundadas. Lembrei-me de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa: “Este é o dia. Esta é a hora, este o momento, isto é quem somos, e é tudo. Perene flui a interminável hora que nos confessa nulos. No mesmo hausto em que vivemos, morreremos. Colhe o dia, porque és ele”.Não sou materialista, nunca fui. Acredito na alma, acredito na evolução dos espíritos, acredito nos diversos planos da existência. Sempre achei que estivesse preparado para suportar a morte e tê-la como passagem. Não contava, entretanto com minha fragilidade. As palavras são mais fracas do que a realidade. Sofrer a perda era, para mim, um gesto de fortaleza e credibilidade. Qual o quê? Aprendi que o corte é a faca que seduz e engana a sabedoria. Fui homem, voltei menino.Passei um ano tentando superar. Punha-me a esquecer, a fazer de conta que estava numa viagem e logo ali, bem ali, iríamos nos ver. Procurei intensificar a palavra saudade, que em síntese, quer dizer um afastamento temporário, logo desfeito. Fui o sebastianista da minha praia. Esperei a caravela heroica voltar, resgatando os meus desejos, num desenho épico. Mas é impossível desviar o destino. Levei um tempo danado para entender que meu pai nunca morrera. Porque ele estava vivo nas paredes da velha casa, nos móveis doados e tantos vendidos, nas fotografias expostas nas paredes e nos álbuns da minha alma, nas minhas palavras, no meu jeito turrão e teimoso, na mais entranha das minhas células, no meu irmão, tão misturado nos nossos sangues. Aprendi que a perda é solitária e cruel. Ela não leva a alma, mas deixa a irritante noção do vácuo.A perda revela o que ocultamos . Brinca com a inexorabilidade. Nos faz sentir culpados e abandonados. A perda nos induz a querer voltar no tempo e refazer o que não fizemos. A perda nos cobra o pesado imposto do que deixamos de lado. A perda é nosso espelho amaldiçoado, sem a mínima chance de retomada.Um ano depois, busco minha identidade. Confundo sentimentos, choro escondido de mim mesmo. Quero reaprender a andar, a falar, a crescer no toque da chuva, a florescer um pequeno e lindo jardim adubado pelo meu pai. Um ano depois quero, voltando ao poeta, colher o dia, porque sou ele.