Brady Corbet sempre flertou com o cinema como uma experiência estética e filosófica, mas com “O Brutalista” esculpe uma obra que se impõe como um monólito na paisagem do cinema contemporâneo. É um manifesto sobre identidade, exílio e a interseção entre arte e poder. Com uma narrativa que se estende por mais de três décadas e uma construção visual que evoca a solidez e o peso emocional do brutalismo arquitetônico, este épico é um triunfo de forma e conteúdo.
Adrien Brody assume o papel de László Tóth, um arquiteto judeu húngaro que sobrevive ao Holocausto e emigra para os Estados Unidos, buscando concretizar o sonho de projetar algo monumental. O filme, porém, não oferece um caminho redentor fácil. Pelo contrário, ele ergue um mosaico de sacrifícios, concessões e dilemas morais, enquanto László se depara com um novo tipo de opressão: a patronagem disfarçada de oportunidade, representada pelo industrial Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce). O que começa como um patrocínio se transforma em uma relação de exploração sutil, na qual o idealismo do protagonista se choca contra os alicerces do pragmatismo capitalista.
Felicity Jones, no papel de Erzsébet, a esposa de László, adiciona uma camada de profundidade emocional ao filme. Diferente das esposas frequentemente relegadas ao papel de espectadoras passivas, sua personagem é uma força silenciosa, moldada tanto pela dureza da sobrevivência quanto pela necessidade de sustentar o homem que ama, mesmo quando ele se torna um estranho diante de suas próprias concessões.
Se o cinema é, como dizia Tarkovski, “esculpir o tempo”, “O Brutalista” o faz em concreto armado. Cada enquadramento do diretor de fotografia Lol Crawley é uma construção minuciosa de luz e sombra, evocando a rigidez dos edifícios brutalistas e a claustrofobia emocional que permeia a jornada de László. O uso da paleta de cores frias, os planos simétricos e o rigor geométrico do design de produção fazem do filme não apenas um estudo narrativo, mas um exercício estético que funde espaço e psique.
A escolha pelo intervalo de 15 minutos no meio do filme remete à tradição dos épicos clássicos, permitindo ao espectador um momento de reflexão – uma pausa necessária antes da desconstrução do protagonista. Esse resgate estilístico dialoga com a própria essência do brutalismo: uma arte funcional, sem adornos, que exige tempo e paciência para ser compreendida.
A grande questão que “O Brutalista” propõe não é apenas sobre imigração ou ascensão social, mas sobre o preço da criação em um mundo que transforma idealistas em operários da estética. László, que um dia sonhou em erguer monumentos que resistiriam ao tempo, vê-se reduzido a um peão dentro de um jogo de poder e interesse. Ele é um arquiteto, mas sua maior obra – sua própria identidade – está em ruínas.
Essa dicotomia entre a pureza da arte e a corrupção do sistema ecoa os dilemas de cineastas como Andrei Tarkovski e Stanley Kubrick, que viam o cinema como uma luta entre o ideal e o possível. Corbet, por sua vez, posiciona-se como um arquiteto do tempo, estruturando sua narrativa com um ritmo que desafia a impaciência do espectador moderno, mas recompensa aqueles dispostos a absorver sua grandiosidade.
“O Brutalista” é um estudo sobre o espírito humano diante de estruturas implacáveis – sejam elas físicas, sociais ou emocionais. É um filme que rejeita a catarse fácil e abraça a complexidade de um protagonista que nunca será completamente decifrado.
Brady Corbet entrega um filme que não apenas desafia, mas redefine os limites do cinema narrativo, provando que ainda há espaço para o rigor e a ambição artística em uma indústria que muitas vezes prioriza o efêmero. Se o brutalismo arquitetônico foi um movimento que dividiu opiniões, “O Brutalista” segue o mesmo caminho: não será um filme para todos, mas será um filme que permanecerá.
E no fim, talvez seja essa a verdadeira vitória da arte sobre o tempo.