Amorim diz que negociar não é tomar partido, após Zelenski criticar Brasil

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ex-chanceler e assessor especial da presidência para relações exteriores, Celso Amorim, disse nesta sexta-feira (31) que negociar não é tomar partido. A fala ocorre após cobranças do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, ao Brasil.

Em Kiev, durante entrevista a um grupo de jornalistas da América Latina do qual a Folha fazia parte, Zelenski disse que não consegue entender a posição do governo brasileiro em relação ao conflito com a Rússia. “Não entendo, não entendo”, disse.

Além disso, cobrou participação de Lula (PT) da cúpula de paz na Suíça, o que não deve ocorrer. Na semana passada, Celso Amorim e o chanceler chinês, Wang Yi, divulgaram um comunicado em que destacavam a necessidade da presença de Moscou em quaisquer negociações sobre o conflito.

“[As conversas até o momento] Não deram resultado e não vão dar. Quando se diz tem que negociar não está dando razão aos russos, não tomamos partido dos russos”, disse Amorim à Folha. Ele disse ainda que o texto que assinou com o chinês tem recado “muito forte” para a Rússia, sobre não ameaçar com armas nucleares.

“Não vejo porque [Zelenski] chegou a essa conclusão, mas respeito e entendo, até do ponto de vista do sofrimento ucraniano. Não há [tomada de] partido, mas sim convicção que a única saída é pela negociação”, afirmou.

O ex-chanceler citou ainda o ex-jogador de futebol Garrincha para reforçar a necessidade de incluir os russos em conversas sobre a paz, senão não é possível chegar ao fim do conflito, que começou em fevereiro de 2022.

Amorim citou ainda o ex-secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, responsável por reaproximar o seu país com a China, na década de 1970. “Kissinger não concordava em nada com a China. Tava no fim da revolução cultural, não concordava em nada. Mas começou a negociar porque era importante negociar”, disse Amorim.

O Brasil condenou a invasão russa ao território ucraniano na Assembleia Geral da ONU. Mas Zelensky acusa o Brasil e a China de estarem do lado “do agressor”, o que Amorim rechaça.

“Tenho dito permanentemente: tem que haver participação da Rússia. Não é porque gosta ou não gosta da Russia, não tem a ver com isso. Tem a ver com o fato de que cada um acha que tem suas razões”, afirmou ainda.

A entrevista de Zelenski se dá às vésperas de uma cúpula de paz organizada pela Suíça para a qual foram convidados 160 países. Segundo Zelenski, entre os cerca de 80 líderes que já tinham confirmado presença no evento, a ser realizado em Lucerna nos próximos dias 15 e 16, estariam os presidentes argentino, Javier Milei, e chileno, Gabriel Boric.

Como parte do esforço para convencer Brasília a participar do evento, a Suíça argumenta que, apesar de a reunião ter sido convocada a pedido de Kiev, os trabalhos de condução das negociações ficariam a cargo da anfitriã.

Os suíços declararam também que o plano de paz ucraniano, que exige que os russos deixem todas as áreas ocupadas do seu território —incluindo aquelas sob controle de Moscou desde 2014, que é o caso da Crimeia—, não seria o norte das tratativas.

E afirmaram estar convencidos de que o Kremlin deve estar envolvido nelas. Segundo a Suíça, os russos só não foram convidados para a cúpula porque manifestaram desinteresse em participar dela em diversas ocasiões.

Integrantes do governo brasileiro consideram, no entanto, que qualquer proposta de negociação que tenha como base o plano de Zelenski não tem futuro, uma vez que implica exigências inaceitáveis para Putin, como a saída da Crimeia e a criação de um tribunal para julgar supostos crimes de guerra cometidos pelo Exército russo.

Temem ainda que o processo seja uma repetição de outros esforços de negociação vistos como improdutivos. Uma reunião sobre o tema na Dinamarca no ano passado, por exemplo, foi descrita como um fracasso por desconsiderar posições de nações com opiniões diferentes, como o Brasil.

MARIANNA HOLANDA / Folhapress

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