BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou um projeto-piloto que dispensa a bula de papel em embalagens de determinados remédios. A decisão prevê o acesso à bula digital por meio de um código de barras bidimensional (QR Code) nas embalagens dos medicamentos.
As bulas de papel ainda poderão ser solicitadas nas farmácias a qualquer momento pelo cliente ou médico. Nesses casos, os atendentes devem fornecer, seja por meio de impressão ou de disponibilização de bula avulsa.
A decisão serve para amostras grátis, remédios isentos de prescrição e medicamentos destinados a estabelecimentos de saúde (uso em ambientes hospitalares, clínicas, ambulatórios e serviços domiciliares) ou de uso governamental (como em unidades do SUS e em embalagens que contenham as marcas de governos ou do Ministério da Saúde). A regra também é estendida para os comercializados em cartelas e fracionados, além dos fitoterápicos.
A mudança faz parte de um plano em fase de testes, que deve ser implementado de forma gradual.
“Entendo que o projeto tem grande potencial para empoderar o cidadão com informações acessíveis e confiáveis sobre a saúde, riscos e benefícios relacionados aos medicamentos”, disse diretor Daniel Pereira, relator da proposta, em seu voto.
O diretor argumenta que a junção dos dois formatos -físico e digital- é a forma mais equilibrada de atender as demandas divergentes.
Por meio do QR Code das embalagens, as pessoas serão direcionadas às informações da bula, que poderá ser veiculada em arquivo PDF ou via site.
O regulamento da nova modalidade proíbe qualquer exigência de identificação ou coleta de informações pessoais dos usuários no acesso ao texto.
As empresas reguladoras dos medicamentos que suprimirem a bula impressa são responsáveis por garantir, por meio de acordo, que os estabelecimentos de venda dos remédios terão condições de fornecer a bula na forma física quando solicitado.
A dispensa da bula de papel foi amplamente criticada pelo Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), que acredita na necessidade da bula em papel para um acesso mais democrático.
O argumento principal do instituto é que a dispensa de bulas impressas viola o direito do consumidor à informação e à segurança do produto. Para o Idec, a realidade do acesso à internet no país ainda não permitiria o fim das bulas físicas.
Especialistas ouvidos pela reportagem divergem a respeito de alguns pontos que envolvem a questão.
Para o médico sanitarista Walter Cintra, professor da Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo) da FGV, o poder público tem que garantir uma informação correta, acessível e inteligível para a população. “Se a digital vier para facilitar o acesso à bula, não vejo nenhum problema”, diz. Porém, Cintra acha precoce eliminar a bula de papel. “Na realidade do Brasil ela é fundamental pelas pessoas que não têm acesso a uma informação digital”, afirma.
Patrícia Mastroianni, professora da faculdade de ciências farmacêuticas da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, vê vantagens na bula digital em relação à questão ambiental (de descarte de bulas, de resíduos), qualidade da informação e acessibilidade, e atualização rápida da bula).
Ela reforça que a bula digital permitirá o auxílio de recursos multimídias, com vídeos e imagens, e ampliar o acesso à informação a qualquer pessoa. “Antes, a única informação que vinha era pela bula, naquela letra pequena, e ainda que seja a bula do paciente, que é um termo menos técnico, não permite acessibilidade”, afirma a professora da Unesp.
A reportagem perguntou à especialista se o país está pronto para substituir a bula de papel pela digital.
“Talvez o idoso tenha mais dificuldade com a internet. Então, talvez se a gente pensar nos medicamentos das pessoas idosas, a digital dificultaria mais. Mas esse idoso também é aquele que tem dificuldade de ler a bula por causa do tamanho da letra. Se alguém o auxiliar, ele vai ter a condição [de acessar]”, diz.
A decisão também determinou que os locais de venda que aderirem à mudança deverão expor, em local visível a mensagem: “Atenção: este estabelecimento dispensa medicamentos com bula digital! Você pode acessá-la online. Caso prefira, solicite a bula impressa a um de nossos atendentes.”
Na segunda-feira (8), o Instituto enviou um ofício pedindo a retirada do item da pauta, apresentando à Anvisa as argumentações contra a dispensa da bula digital.
MARIANA BRASIL E PATRÍCIA PASQUINI / Folhapress