BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado adiou nesta quarta-feira (10) a votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) de autonomia financeira do Banco Central depois que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou a construção de um acordo.
Após se reunir com o presidente Lula e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que a gestão petista não é contra a autonomia financeira do BC, mas sim à PEC em discussão.
“A autonomia financeira e administrativa do Bacen, não há nenhum problema conosco, nenhum. A forma de atingi-la é que nós não concordamos, de transformar o Bacen em uma empresa [pública]. Para transformar, da forma que está o relatório, tem figuras como celetista estável. São figuras exóticas, eu diria, no mínimo.”
Com a possibilidade de acordo com o governo, o presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), afirmou que a comissão deve se reunir de forma semipresencial na quarta-feira da semana que vem (17) -véspera do recesso parlamentar- para discutir o tema.
Ao sinalizar o acordo, o líder do governo no Senado mostrou apreensão com potencial impacto primário em caso de aporte do Tesouro Nacional para cobrir eventuais prejuízos do BC na gestão das reservas internacionais.
Essa preocupação consta também em uma nota divulgada pela Casa Civil contra a alteração no regime jurídico do BC. Segundo o documento, a PEC ameaça a viabilidade do arcabouço fiscal com impacto primário de cerca de R$ 125 bilhões no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2025.
Os defensores da proposta, por outro lado, argumentam que o impacto direto da PEC é de redução dos gastos primários em R$ 5,5 bilhões por ano.
Segundo eles, recursos provenientes de fluxos financeiros entre a União e o BC não devem ser considerados para fins de cumprimento das regras do regime fiscal, como ocorre hoje. Isso abrange tanto as transferências de resultados positivos quanto à cobertura de resultados negativos.
Em 2023, o BC registrou prejuízo de R$ 114,15 bilhões, sendo R$ 111,245 bilhões cobertos pelo Tesouro e R$ 2,922 bilhões por redução do patrimônio institucional da própria autarquia.
Já em 2021, a autoridade monetária teve lucro de R$ 85,9 bilhões, com repasse de R$ 71,7 bilhões ao Tesouro para ser usado exclusivamente no pagamento da dívida pública.
Minutos antes de anunciar a posição do governo, Jaques se reuniu no Palácio do Planalto com Lula, Haddad e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para tratar da desoneração da folha de pagamento de empresas e prefeituras.
Na terça (9), Pacheco disse que era momento de “botar água na fervura” e que ainda não havia perspectiva de colocar a PEC em votação no plenário da Casa.
Ele citou “divergências” entre o presidente Lula e o chefe do BC, Roberto Campos Neto, e afirmou que o debate deve ser “alongado”, considerando a opinião do próprio governo federal, do sistema financeiro e dos servidores da instituição.
Durante a sessão na CCJ, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) leu um voto em separado, rejeitando a proposta de emenda constitucional e demarcando a posição contrária dos petistas ao texto.
Assim como a nota técnica elaborada pela liderança do governo no Senado, Carvalho afirmou que a PEC é inconstitucional e viola a separação de Poderes ao usurpar a atribuição privativa do presidente da República de deflagrar o processo de discussão de um tema como este.
“O BC atua mais como um administrador de recursos nacionais do que como proprietário de ativos que geram receitas. A emissão de moeda, por exemplo, não é uma atividade comercial com fins lucrativos, mas uma função monetária central que visa controlar a oferta monetária e sustentar a estabilidade econômica”, afirmou o senador.
A PEC transforma o Banco Central de autarquia para empresa pública de natureza especial, que exerce atividade estatal. Apesar de ter autonomia operacional assegurada por lei desde 2021, a autoridade monetária não tem hoje poder sobre o seu próprio orçamento.
A mudança afeta a relação de trabalho dos servidores do BC, que deixam de ser regidos pelas normas do regime jurídico único e passam a ser empregados públicos regulamentados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Na semana passada, o parecer favorável à PEC do BC foi lido pelo relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), mas a discussão na CCJ foi adiada pela primeira vez depois de um pedido de vista coletivo (mais tempo para análise).
Em nota, o Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central) disse ver de forma positiva o acordo proposto pela liderança do governo e se colocou à disposição “para trabalhar junto aos senadores e assessores técnicos na elaboração do novo texto”.
Já a ANBCB (Associação dos Analistas do Banco Central) viu o adiamento da votação como “preocupante”, mas disse que essa é “mais uma oportunidade de o governo negociar e participar” da decisão. “A associação destaca que segue em interlocução com o governo e o parlamento para contribuir com a solução estrutural e definitiva”, afirmou.
NATHALIA GARCIA E THAÍSA OLIVEIRA / Folhapress