Como a China se prepara para competir também em aviões comerciais

PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – A indústria de aviões comerciais é o maior desafio ao plano chinês de se aproximar da autossuficiência em tecnologia de ponta. Elaborado em 2015 pelo Conselho de Estado -o gabinete chinês- e apelidado de Zhongguo Zhizao 2025 (Made in China 2025), o programa passou a ser mais conhecido como “novas forças produtivas” nos últimos cinco anos, mas com propósito semelhante.

Para a consultoria Bloomberg Economics, entre 13 setores-chave do plano original, de painéis solares e carros elétricos a semicondutores e inteligência artificial, a China já lidera ou é competitiva em 12. Faltam os aviões. Outras avaliações recentes são mais positivas sobre a indústria aeronáutica no Made in China 2025, sem negar o desafio.

Dois marcos vieram já em 2016, com a entrada em operação do jato regional ARJ21, rebatizado agora como C909, e em 2017, com o primeiro voo do aspirante chinês a Boeing 737 e Airbus A320, o C919. Mas a entrega deste para uso comercial, pela fabricante chinesa Comac, só foi acontecer cinco anos depois.

A lentidão é creditada por analistas à dificuldade de integração dos componentes, de fornecedores muito diversos e até à concorrência dos trens de alta velocidade.

A reportagem visitou uma das principais instituições que atuam no desenvolvimento dos aviões chineses, a Universidade Beihang, ao norte de Pequim. O professor de design de aparelhos -e piloto- Song Lei recebeu o jornal no portão central, para liberar a entrada.

A confirmação da visita a um dos Sete Filhos da Defesa Nacional, como são chamadas as universidades ligadas ao Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação, tomou mais de um mês. Antes sob o nome de Universidade de Aeronáutica e Astronáutica de Pequim, a Beihang é parte de projetos essenciais para a indústria de aviação e espacial no país.

Questionado sobre a demora no desenvolvimento dos modelos comerciais, Song diz que é assim no setor, globalmente. “Na Airbus eles demoraram para alcançar êxito, e a Comac precisa realmente seguir esse caminho”, diz. O consórcio europeu voou seu primeiro avião há 52 anos, inicialmente com componentes americanos, como o motor.

Sobre os desastres e outros reveses enfrentados pela Boeing, que poderiam abrir mercado aos aviões chineses, Song diz não ver a americana ficando para trás. “É na verdade um alerta para nós. Para manter nosso estudo e para fazer melhor. Para manter uma boa gestão na nossa cadeia de suprimento e manter aviões seguros.”

Segundo ele, os principais desenvolvimentos até aqui foram na aerodinâmica, no sistema de engenharia e na cadeia de suprimentos para os aviões maiores da Comac, caso também do C929, em fase de design e seleção de fornecedores. “Isso é o importante”, diz.

Anotou que o papel da Beihang e de outras universidades “é quase como no Brasil”, recebendo projetos das fábricas e ajudando a resolver problemas tecnológicos.

Os próximos passos serão alcançar “produção em massa” do C919 para atender aos pedidos das companhias aéreas chinesas e, em seguida, com a aguardada certificação da agência europeia, iniciar a venda ao exterior, Brasil inclusive.

“Para o desenvolvimento tecnológico, claro, será um novo motor para a indústria chinesa de aviação”, acrescentou Song, confirmando que sua universidade também atua na pesquisa da turbina, através da Faculdade de Energia e Engenharia Elétrica.

Apresentou dezenas de estruturas de simulação de voo para uso dos estudantes de engenharia e também de pilotos, em diferentes salas de seu departamento, uma delas com “mixed reality”, realidade parcialmente virtual, para caças. “Você sabe, a coisa mais excitante na aviação é voar, então ensinamos”, diz.

Em outra sala, mostrou um projeto universitário de avião comercial supersônico, que está sendo modelado para testes. “Temos diversos softwares de design e análise neste laboratório, que são acessíveis pela internet do campus, na nuvem”, descreveu.

Questionado sobre a sensação de maior silêncio percebida num voo regular no C919, em comparação com aviões europeus e americanos, Song disse que os aparelhos da Comac recorrem ao túnel de vento da Beihang para estudo acústico.

Com três metros por quatro metros na seção de teste, ele é usado, no caso dos aviões comerciais, “para redução de barulho, para que aterrissem à noite, porque muitos aeroportos ficam próximos das cidades”. Segundo o acadêmico, “no futuro nós definitivamente vamos precisar de aparelhos mais silenciosos”.

Também menos poluentes do ar. “Temos diferentes maneiras de fazê-lo, a começar do design, que pode aumentar a eficiência aerodinâmica, significando menos arrasto e, portanto, menor necessidade de propulsão. Com isso, também o consumo de combustível é reduzido.”

Song, que mostrou conhecer a experiência da Embraer, comentou que a empresa pode voltar a vender aviões na China, como vem buscando fazer com apoio do governo brasileiro, mas seus modelos concorrem em parte com aqueles da Comac, “então será uma decisão de negócio, das companhias aéreas”.

A Embraer chegou a montar o ERJ 145 na China entre 2002 e 2016, com os componentes enviados do Brasil, sem fornecedores locais. Era um modelo já antigo, e os interlocutores chineses chegaram a pressionar pelo novo E-170, mas a empresa não aceitou, pelo que foi possível apurar, por temer transferência de tecnologia. Foram montados e vendidos apenas 40 ERJ 145.

Diplomatas ouvidos dizem que a visita de Estado do líder Xi Jinping a Brasília, neste mês, pode levar novidades nessa frente, ao menos em comércio.

Seja como for, Song vê com bons olhos a reaproximação. “Nós precisamos aprender com a Embraer. Seus produtos são anteriores à Comac. Precisamos estudar a experiência da Embraer.” Ele tem alunos de diversos países, mas nenhum brasileiro, e diz que espera tê-los no futuro.

NELSON DE SÁ / Folhapress

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