SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não é novidade o retorno financeiro das produções de músicas para o Natal, mas há uma nova tendência -a criação de playlists, que turbinam o faturamento de estrelas pop como Mariah Carey. Um levantamento de dados do Spotify enviado à Folha confirma a novidade. Para se ter ideia, a criação de playlists temáticas na plataforma aumentou em 1.400% só no último mês de novembro.
Se no passado havia uma corrida para comprar os discos de Natal, agora os preparativos incluem a formação de uma playlist para a ceia. “É como se o ouvinte fizesse o próprio álbum”, diz o historiador Luiz Antônio Simas, que pesquisa o repertório natalino. “Cada um customiza a sua música, dentro de uma lógica da fragmentação do consumo.”
No Brasil, existem mais de 500 mil listas de canções que contêm as palavras “Natal” ou “canção natalina”. Em comparação ao ano passado, o número representa um crescimento de 104%. Para os artistas, ali está o mapa da mina. Ter uma canção numa playlist significa ter mais reproduções -logo, mais dinheiro.
Reconhecida por suas interpretações do repertório festivo, Carey é a artista mais adicionada às playlists no Brasil. É dela também a faixa mais popular nas listas, “All I Want for Christmas Is You”. A canção faz parte do disco “Merry Christmas”, lançado em 1994, e de um disco de Natal, lançado há 13 anos.
Uma outra pesquisa, feita pela revista americana Billboard, mostra que o mercado de músicas natalinas movimentava, em 2021, US$ 177 milhões, o equivalente a R$ 878 milhões. Naquele ano, Carey, apenas com “All I Want for Christmas Is You”, faturou US$ 1,36 milhões -ou R$ 6,7 milhões-, com 823 milhões de reproduções.
A numeralha é apenas uma reconfiguração de um nicho comercial explorado historicamente por outros artistas. Há séculos, as famílias se unem para ir aos concertos de Natal, tão comuns ainda hoje nas catedrais da Europa. Até então, o repertório se inscrevia no universo da música de concerto.
Nas décadas de 1940 e 1950, os anos gloriosos da indústria fonográfica, a música se popularizou na forma de um cancioneiro natalino. Naquela época, era uma tendência pôr no mercado discos com eixos temáticos, numa lida utilitária com a arte, própria da noção de produto cultural. A música deveria ser, então, uma trilha sonora para momentos da vida.
Frank Sinatra encabeçou o movimento, lançando, em 1948, “Christmas Songs by Sinatra”, seu terceiro disco. Em 1957, chegaria às lojas o clássico “A Jolly Christmas from Frank Sinatra”, mais tarde rebatizado como “The Sinatra Christmas Album”.
Johnny Cash, Michael Bublé, Diana Krall e Bob Dylan, que é judeu, são alguns artistas que explorariam o filão comercial. No Brasil, a criação de um repertório próprio de canções natalinas aconteceu, em 1933, com o registro de “Boas Festas”, escrita por Assis Valente, interpretada pelo cantor Carlos Galhardo. Com o tempo, esse repertório ficou esquecido. O disco “25 de Dezembro”, lançado por Simone em 1995, quebrou o paradigma.
“As gravações eram muito antigas e não tinham impacto comercial”, afirma Max Pierre, que produziu o álbum. “Ninguém teve a coragem que a Simone teve de dar uma roupagem brasileira para sucessos estrangeiros e modernizar o repertório brasileiro.” Ao todo, Simone vendeu mais de 1 milhão de exemplares.
Sua música tocava em todas as lojas, e a cantora, que faz aniversário no dia de Natal, se apresentava com frequência na televisão. Com o tempo, ela virou alvo de uma perseguição nas redes sociais. Os internautas faziam memes e criticavam seu trabalho.
“Foi um apedrejamento”, lembra Pierre. Para Simas, há uma saturação do disco, mas existe, no Brasil, um preconceito contra a música de Natal. O historiador afirma que muitos jovens rejeitam a data para se insurgir contra a família, a religião ou até o mercado.
Há também quem simplesmente não goste da festa. Com o boom das playlists, Pierre, o produtor, lamenta a perda das informações contidas nos discos físicos, como o nome dos compositores e as letras das faixas. “Era bem mais charmoso”, diz.
GUSTAVO ZEITEL / Folhapress