SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O TRT-15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região), em Campinas (SP), determinou, por meio de liminar, que os Correios não podem obrigar que funcionários que estão no regime remoto retornem ao trabalho presencial. A medida valeria a partir da próxima segunda (23).
A estatal pode recorrer. Procurada pela reportagem, a empresa respondeu que irá se manifestar apenas nos autos.
Se descumprirem a decisão e obrigarem o retorno presencial até a decisão definitiva da Justiça, os Correios estarão sujeitos a multa diária de R$ 10 mil, limitada inicialmente a 30 dias.
A liminar, porém, só é válida para cerca de 200 advogados que entraram com a ação civil coletiva por meio da Apect (Associação dos Procuradores dos Correios), de acordo com o presidente da entidade, Muriel Carvalho Garcia Leal.
Os outros quase 2.000 funcionários que estão, atualmente, em regime remoto -cerca de 2,63% de todos os trabalhadores, segundo um grupo de teletrabalhadores dos Correios-, deverão retornar ao presencial no dia 23.
O juiz Guilherme Bassetto Petek entendeu que a mudança foi imposta de forma unilateral, sem motivação técnica individualizada e em desacordo com as normas internas da estatal.
Na sentença, o juiz cita a precariedade da estrutura física nas unidades. “A empresa não conta com espaço físico e material suficiente para todos os patronos, de modo que demandaria reforças e compra imediata de material para todos, o que vai de encontro ao princípio da eficiência, sobretudo em se tratando da Empresa Brasileira de Correios, que está com déficit financeiro”, diz.
Segundo Douglas Melo, diretor do Sintect-SP (Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos e Similares de São Paulo, Grande São Paulo e zona postal de Sorocaba) atualmente há funcionários das áreas administrativas e operacional no regime remoto, com predominância da área administrativa. Para Melo, a atividade presencial custa mais à empresa e a determinação de impor o retorno ao presencial não faria sentido em um momento em que a estatal busca cortar custos.
Um grupo de trabalhadores preparou um abaixo-assinado online, hospedado na plataforma Change.org, que já conta com quase 6.000 adesões.
A empresa acumulou um prejuízo de R$ 2,59 bilhões em 2024 e tenta reduzir despesas em R$ 1,5 bilhão neste ano, com medidas como PDV (Programa de Desligamento Voluntário), incentivo à redução de jornada com diminuição de pagamento e suspensão temporária de férias.
Problemas operacionais já afetam alguns serviços. O Sintect-SP já apontou como problemas paralisações de motoristas terceirizados por falta de pagamento, encomendas acumuladas, inadimplência com postos de combustíveis e atraso no aluguel de agências.
Na ocasião, os Correios afirmaram que a prestação dos serviços de transporte ocorre dentro da normalidade e que trabalha para resolver eventuais pendências com seus parceiros, além de adotar medidas para ampliar a capacidade de distribuição.
Na decisão da TRT-15, o juiz acrescenta que, “de forma contraditória”, os Correios argumentaram que o retorno de todos os trabalhadores traria uma economia de gastos. “É de conhecimento notório que o trabalho presencial gera maiores gastos, seja com o uso de equipamentos, seja com pagamento de vale-transporte, seja com uso de energia elétrica etc.”, afirma.
Dos imóveis ocupados por agências dos Correios, 65% são alugados. O Sintect-SP diz que ao menos duas unidades paulistas estão em situação crítica por falta de pagamento de aluguel: Campo Limpo, na capital paulista, e Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo.
JUIZADO DE BRASÍLIA RECUSOU O PEDIDO DE LIMINAR
A Adcap (Associação dos Profissionais dos Correios) também entrou com uma ação parecida, no TRT-10, em Brasília (DF), mas não conseguiu a liminar. A juíza Raquel Gonçalves Maynarde Oliveira entendeu que não existem elementos suficientes para evidenciar dano ou risco aos trabalhadores, e que o prazo de mais de um mês concedido para retorno é razoável e supera o previsto no artigo 75 da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho).
Roberval Corrêa, presidente da Adcap, afirma que a iniciativa do teletrabalho começou há oito anos e se intensificou com a pandemia. “A medida de retorno em poucos dias implica uma mudança importante na vida das pessoas, com custos de deslocamento, alimentação, vestuário. Ela foi feita sem uma análise individualizada, é um desrespeito ao trabalhador”, afirma Roberval.
O juiz de Campinas, por outro lado, entendeu que a reversão ao trabalho presencial afronta o artigo 468 da CLT, que veda alterações contratuais prejudiciais sem consentimento do trabalhador, além de cláusulas de um acordo firmado anteriormente com o Ministério Público do Trabalho.
Ele cita ainda violação da dignidade da pessoa humana, da função social do contrato, da proteção à saúde, da isonomia e da acessibilidade. “A medida impacta especialmente empregados com filhos com deficiência, idosos ou doenças graves”, diz.
Muriel, presidente da Apect, afirma que o retorno ao trabalho presencial colocaria em risco a continuidade dos vínculos laborais, a saúde mental, a estabilidade familiar e a dignidade dos profissionais atingidos.
Há movimentos semelhantes em outras estatais. Na Petrobras, por exemplo, a redução do home office de três para dois dias na semana gerou protestos de parte dos funcionários administrativos. A empresa, no entanto, diz que a maioria das representações sindicais aprovou o acordo.
GABRIELA CECCHIN / Folhapress