Desespero com estragos, falta de água potável e medo de choque marcam retorno às casas no RS

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – “Tudo perdido, 30 e poucos anos de vida e de trabalho”, lamenta a auxiliar de serviços gerais Nair Sanchez, 55. Ela e seus vizinhos entraram em casa pela primeira vez nesta semana após todo o bairro Vicentina, em São Leopoldo, ficar debaixo d’água por mais de 20 dias.

O cenário das residências vizinhas é parecido. Muito lodo, móveis revirados, eletrodomésticos estragados e até os quadros de família na parede foram perdidos, manchados pela umidade.

O município foi um dos mais atingidos pelas enchentes que inundaram e destruíram cidades no Rio Grande do Sul.

Não bastasse o prejuízo, as pessoas ainda enfrentam o desafio em São Leopoldo, a cerca de 30 km de Porto Alegre, de limpar a casa sem água, uma vez que o serviço ainda não foi religado. A energia elétrica também segue interrompida. O medo, porém, é quando ela voltar.

“Olha essa tomada. Como não vai dar choque? Está encharcada e cheia de barro molhado”, diz Sueli Fontana, que teve de pagar o aluguel do domicílio mesmo com a estrutura submersa na água.

Ela tem 51 anos e está desempregada. Está no segundo ano do curso de psicologia numa faculdade à distância e tem buscado formas para seguir os estudos. “Perdi todos meus livros, mas ao menos salvei o notebook”, afirma.

Sueli não quer mais morar ali, mas irá limpar a casa antes de entregá-la para o proprietário. Ela afirma que saiu de casa quando a água na calçada batia na canela e que a expectativa era voltar no dia seguinte.

“Tem uma senhora aqui mora aqui do lado que tem 94 anos, sempre morou aqui e disse que a água ia no máximo até o poste da rua”, lembra a moradora de São Leopoldo.

E prossegue: “A gente achou que só ia encher até a metade. Botamos alguns itens em cima da mesa porque achamos que assim estaria tudo salvo, mas a água foi até o teto”.

Muitas ruas de cidades da Grande Porto Alegre e da própria capital gaúcha seguem alagadas.

As enchentes já causaram, segundo a Defesa Civil estadual, mais de 160 mortes e o número pode aumentar nos próximos dias, já que ainda há dezenas de desaparecidos. Além disso, mais de 600 mil pessoas tiveram que deixar suas casas.

Em alguns locais, a água começou a baixar e as pessoas conseguem voltar para casa. No entanto, apenas para iniciar a limpeza, uma vez que os domicílios ainda estão inóspitos, sem cama nem sofá e com as paredes sujas.

Em frente às residências, pilhas de móveis e utensílios irrecuperáveis se acumulam. Na rua, muita lama e, em muitos casos, um odor forte.

O aposentado Antônio Wisniewski, 64, não esperou nem o alagamento baixar totalmente para ver como está sua casa. Ele entrou na residência em que mora com a esposa com a água no portão de entrada ainda pela canela.

O interior não está mais inundado, mas a configuração dos móveis está irreconhecível, com todos móveis amontoados na sala e com manchas marrom da água enlameada que entrou nas dependências da família.

Ele já traçou um plano para limpar quando a água em frente à residência, em São Leopoldo, baixar. “Não temos água. O que vamos fazer: tirar os cacos, empilhar ali na frente e usar aquela água podre mesmo para, ao menos, tentar tirar o lodo. E aí quando vier a água a gente lava tudo”, prevê.

Wisniewski ainda não sabe o tamanho do prejuízo. “As portas nós vamos perder todas, porque não são de madeira. A geladeira eu tinha levantado achando que a água não subiria tanto e agora está tombada. A água tem muita pressão”, diz.

Outra preocupação do aposentado é com um supermercado que fica em frente a sua casa. “Ficou com muita carne lá dentro e aquilo tudo está apodrecendo, então essa água, além de ter bicho morto e outras coisas, também tem isso. Imagina como vai ser quando entrarem ali? O cheiro, então, nem me fala”, afirma.

O operador de empilhadeira Luís Carlos Vargas, 42, diz que nunca tinha visto a água chegar nem perto de sua casa. Ele separou para o lado de fora de casa todas as roupas que estavam dentro do armário. “Talvez a gente consiga aproveitar alguma coisa, mas se não der vai para o lixo também”.

Ele tinha comprado recentemente um ar-condicionado para enfrentar as fortes ondas de calor na metropolitana de Porto Alegre no verão. “Ainda nem acabei de pagar e já deve ter estragado”, diz ele, que aguarda a volta da eletricidade para testar o equipamento.

Vargas tentará lavar e higienizar toda louça da casa, mas não demonstra muita confiança. Pelo menos a churrasqueira de tijolo ele acha possível recuperar. “Vamos esperar secar e fazer um churrasco depois que a gente conseguir limpar tudo. Só não sei quando vai ser isso”.

A empresa RGE (Rio Grande Energia), que fornece 65% da energia consumida no estado, fez uma lista de orientações para moradores que retornam para casa após as enchentes.

O primeiro ponto é verificar se a energia está desligada. Além disso, orienta que um especialista faça uma vistoria nas instalações elétricas antes de ligar a energia.

Esse ponto, no entanto, dificilmente será concretizado, uma vez que o alcance do estrago foi muito maior do que a capacidade da empresa de ajudar nesse processo. Outra orientação é evitar carregar aparelhos móveis em tomadas que ainda estejam úmidas.

MATHEUS TEIXEIRA E PEDRO LADEIRA / Folhapress

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