RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Você já ouviu falar dos núcleos de inflação? Essa expressão costuma aparecer nos comunicados do BC (Banco Central) e nas análises de economistas sobre a dinâmica dos preços no Brasil.
A medida dos núcleos é uma das informações levadas em consideração pelo BC na hora de avaliar o cenário inflacionário e definir o patamar da taxa básica de juros, a Selic, que neste ano virou alvo de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A seguir, entenda o que são os núcleos, como eles são calculados e quais são as suas aplicações.
O que são os núcleos de inflação?
Os núcleos são medidas que buscam captar tendências para a inflação. Para isso, medem o comportamento dos preços desconsiderando ou reduzindo o peso de fatores temporários sobre os índices.
Por exemplo, em uma medida de núcleo, é possível excluir do cálculo itens mais voláteis, como alimentos e combustíveis. A intenção é distinguir o que é transitório do que é mais persistente em um processo inflacionário.
“Os núcleos são uma tentativa de excluir dos cálculos aqueles movimentos mais temporários, de aumento ou de queda dos preços, que não devem se sustentar no médio ou no longo prazo”, afirma o economista André Braz, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
“O melhor exemplo disso são os alimentos in natura, que sobem ou baixam com muita rapidez”, acrescenta.
Como os cálculos são feitos?
Há diferentes metodologias para calcular os núcleos de inflação. A mais conhecida, segundo Braz, é a de exclusão. Nesse caso, itens mais voláteis, como alimentos e combustíveis, são simplesmente retirados dos núcleos de inflação.
Outra possibilidade, diz o economista, é a reponderação. Ou seja, os bens ou serviços que variam muito não são totalmente excluídos, mas a influência deles é limitada nos núcleos.
“Se o tomate sobe ou desce com muita volatilidade, você diminui o peso dele”, afirma Braz.
No Brasil, o BC divulga uma média dos núcleos da inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). O IPCA é o índice oficial de preços do país, servindo como referência para a política monetária implementada pelo BC.
Nos 12 meses até maio, a média dos núcleos acumulou alta de 6,72%, segundo a instituição. Com isso, ficou acima do IPCA em termos gerais, que avançou 3,94% no mesmo período.
No Relatório de Inflação publicado em junho, o BC disse que a diferença entre a média dos núcleos e o índice “cheio” refletiu, em parte, o efeito dos cortes tributários de 2022 e o repasse para o mercado interno da queda das cotações do petróleo e dos seus derivados.
Nos dois casos, a média dos núcleos foi menos afetada pelo alívio dos preços do que a inflação geral, segundo a autoridade monetária.
É que os núcleos buscam justamente expurgar os impactos mais transitórios ou voláteis dos preços -neste caso, o corte de tributos e a variação do petróleo.
“Os núcleos tiram o efeito dos itens de maior volatilidade, que são mais impactados pelos choques temporários e que costumam ter altas ou quedas muito expressivas, muitas vezes não associadas aos juros”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
O BC afirma que vem utilizando em sua comunicação uma média composta por cinco medidas de núcleos. São as seguintes: EX-0, Ex-3, MS, P55 e DP.
Apenas 2 desses 5 núcleos (EX-0 e Ex-3) têm listas pré-definidas de bens e serviços que são excluídos do cálculo.
Em outros dois (MS e P55), os itens ou subitens do IPCA que são retirados mudam de mês para mês com base em critérios estatísticos.
Por fim, em uma das medidas (DP), não há nenhuma exclusão, mas os pesos dos bens e serviços são ajustados de acordo com a volatilidade, diz o BC.
Por que os núcleos têm importância?
Segundo economistas, o cálculo dos núcleos tem relevância porque a política monetária do BC olha mais para a tendência de inflação, e não tanto para os choques temporários ou os preços mais voláteis. É justamente a tendência inflacionária que os núcleos tentam captar.
“A taxa de juros tem mais força para baixar os núcleos de inflação. Os núcleos são mais sensíveis à política monetária”, afirma Vale, da MB Associados.
O economista André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, vai na mesma linha.
“Por que o Banco Central olha para os núcleos? Para não tomar uma decisão baseada em elementos transitórios, como uma quebra de safra, ou a Guerra da Ucrânia”, afirma.
“A Selic não vai fazer chover, não vai trazer mais fertilizantes ou petróleo para o país”, acrescenta.
O que os núcleos sinalizam sobre a inflação no Brasil?
Ao longo dos últimos meses, tanto a inflação “cheia” quanto os núcleos vêm mostrando desaceleração.
O IPCA acumulado em 12 meses saiu de 5,79% em dezembro para3,94% em maio. Já a média dos núcleos passou de 9,12% para 6,72% no mesmo período.
Com os núcleos acima da inflação em termos gerais, o BC manteve uma posição mais cautelosa na política monetária, deixando a Selic inalterada em 13,75% ao ano.
Ao esfriar a demanda por bens e serviços, a taxa de juros de dois dígitos busca conter os preços e ancorar as expectativas para o IPCA.
O efeito colateral esperado é a perda de ritmo da atividade econômica, já que o custo do crédito fica mais alto para empresas e consumidores.
Em junho, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que a inflação estava melhorando, mas ainda de forma lenta, principalmente no caso dos núcleos.
A postura da autoridade monetária virou alvo de críticas do presidente Lula, que pressiona por uma redução da Selic.
Em 2023, a meta de inflação perseguida pelo BC para o IPCA é de 3,25% no acumulado de 12 meses até dezembro. O intervalo de tolerância é de 1,5 ponto percentual para mais (4,75%) ou para menos (1,75%).
Com a trégua da inflação “cheia” e dos núcleos, analistas veem chance de o BC iniciar o ciclo de cortes da Selic em sua próxima reunião, marcada para agosto.
“Embora os núcleos estejam acima da acima da meta de inflação, o cenário no geral é bem mais benigno hoje do que era um ano atrás”, diz Galhardo, da Remessa Online.
“Vemos uma clara tendência de redução dos núcleos. Isso reforça a ideia de redução da Selic”, acrescenta. Para o economista, o BC está “atrasado”, porque já haveria elementos suficientes para o corte dos juros.
LEONARDO VIECELI / Folhapress