SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Empresas e investidores estrangeiros diminuíram a participação no total de negócios de fusões e aquisições no Brasil.
No entanto, eles aumentaram a presença nas transações de grande porte, atingindo máxima em dez anos nesse tipo de operação, segundo dados cruzados da TTR Data, a pedido da Folha, e de um levantamento da RGS Partners.
De 2013 para 2023, a porcentagem da participação de estrangeiros no total das fusões e aquisições consolidadas no país recuou de 46,6% para 29,7%, uma queda de 36,3% em uma década, segundo a TTR Data, que usa dados sem corte de valor.
Ainda segundo a TTR, o valor total das transações envolvendo investidores internacionais no ano passado atingiu R$ 155,7 bilhões, enquanto em 2013 esse montante foi de R$ 177,4 bilhões, um recuo menor do que a participação dos estrangeiros nos negócios, de 12%.
Essa queda menor no valor das transações indica uma consolidação consolidado em outra pesquisa, feita pela RGS Partners com base em dados da S&P Capital IQ.
Segundo esse levantamento, de 2013 a 2023, o Brasil atingiu máxima na participação de estrangeiros em M&As (fusões e aquisições, na sigla em inglês) com valor acima de R$ 50 milhões.
Há dez anos, a participação estrangeira nesse tipo de negócio era de 30% e no ano passado atingiu a máxima de 47%, mesmo com a queda no total das transações que atingiu pico de 279 operações em 2021 e depois recuou para 125 no ano passado.
Em termos de valor, os estrangeiros representam uma fatia ainda maior.
Em 2013, a participação dos investidores internacionais era de 34% do valor total transacionado em M&As e no ano passado atingiu máxima de 58%, ultrapassando pela primeira vez no período o valor transacionado só por empresas locais.
“A gente teve um período relativamente longo no qual o investidor estrangeiro não foi o ator mais importante no segmento de M&A no Brasil. Isso parece que, em alguma medida, ficou para trás. A gente tem percebido o interesse maior de investidores estrangeiros nos mandatos que a gente tem dentro de casa e nas abordagens que a gente tem feito”, diz Fábio Salazar, sócio da butique mineira de investimentos Araújo Fontes.
A maior participação de estrangeiros em grandes negócios pode sinalizar a chegada de novos investidores internacionais ao país.
Também sócio na Araújo Fontes, Gederson Ferreira diz que, de maneira geral, os estrangeiros que procuram ampliar sua atuação geográfica e começam a investir em um determinado país buscam ativos maiores.
“O processo de M&A é, de certa maneira, complexo. Então, entrar em uma transação que faça a diferença, que traga um resultado significativo no setor em que esses investidores atuam, é certamente algo que eles procuram”, afirma.
Rodrigo Mello, sócio-diretor da Seneca Evercore, concorda com essa visão. Ele diz que hoje os maiores negócios de fusão e aquisição no Brasil estão nas mãos dos estrangeiros, e exemplifica com casos em andamento, como o da Braskem, que tem no páreo para a compra da petroquímica os árabes da estatal de petróleo Adnoc.
“Se uma empresa de fora está interessada em entrar em um determinado setor no Brasil, ela não vai comprar uma marca pouco conhecida, mas vai olhar para as maiores, porque é a porta de entrada dela no Brasil”, diz.
Nesse sentido, Ricardo Jacomassi, sócio da TCP Partners, ressalta que os estrangeiros que olham para o Brasil procuram por setores que estão mais conectados com o mercado externo.
Ele dá como exemplos os segmentos de commodities, mineração, agronegócio, mercado financeiro e tecnologia. E esses negócios costumam se destacar pelo tamanho.
“Pela minha experiência, os investidores estrangeiros dificilmente entram em empresas que têm o Ebtida [lucro operacional] abaixo de US$ 5 milhões. Tem que valer muito a pena em termos de crescimento, com uma tese de escalabilidade muito agressiva”, diz.
Os especialistas lembram ainda o efeito da taxa de câmbio sobre a escolha dos estrangeiros em quais empresas investir no Brasil nos processos de M&As.
Em dez anos, a moeda brasileira se desvalorizou 150% ante o dólar, passando do patamar de R$ 2 para os atuais R$ 5. Portanto, para obter um retorno interessante para os estrangeiros na conversão do real para o dólar, as transações têm de ser maiores.
Denis Morante, sócio-fundador da Fortezza Partners, diz que essa tendência veio para ficar. “Não precisa ser economista para saber que está mais fácil de o real valer R$ 6 do que voltar para a casa dos R$ 2”, diz.
Morante chama a atenção para um caso recente de M&A que exemplifica essa situação, mas de forma oposta, com a saída, e não a entrada, de uma grande multinacional do país.
Recentemente, o grupo brasileiro de serviços indoor GPS anunciou a compra do Grupo GRSA, da companhia britânica Compass Group.
No Brasil, o GRSA é gigante e uma das maiores empresas em refeições coletivas. Com faturamento da empresa em R$ 3 bilhões, Morante lembra que, na conversão para a libra esterlina, o faturamento cai significativamente.
“O Brasil ficou tão pequeno que nosso dinheiro não faz cócegas nos estrangeiros”, diz.
Segundo Morante, se a situação fiscal do país não for corrigida, e o câmbio não voltar para a casa do R$ 4, será cada vez mais difícil atrair os investidores internacionais, que têm interesse em vir ao Brasil, mas não para serem pequenos, segundo ele.
STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress