Ex-Corinthians concilia três empregos após parar por doping

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A expectativa em cima de Bruno Bertucci era alta: campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 2009 como um dos destaques do Corinthians e promovido aos profissionais no mesmo ano para jogar com Ronaldo sob o comando de Mano Menezes. Mas a carreira nos campos teve um destino diferente.

O ex-lateral esquerdo se aposentou precocemente em 2019, após cumprir dois anos de suspensão por doping. Na casa dos 30, se reinventou para conseguir sustento e nesta quarta-feira (20) se divide entre três empregos. Bruno conversou com o UOL sobre passado, presente e futuro. Ele está prestes a ser pai.

“É muito triste acabar como acabou. Eu imaginava que ainda daria volta por cima e que eu ainda iria traçar meu caminho no profissional. Então, até nesta quarta-feira (20) dói. É lógico que algumas cicatrizes vão ficar pelo resto da vida, mas a gente aprende a viver com elas e passa a valorizar outras coisas também. É um processo dolorido, com o tempo isso vai diminuindo, mas vai ficar marcado pelo resto da minha vida. Mas sou grato por ter chegado onde eu cheguei, ter jogado onde eu joguei e ter seguido e me levantado. Não é fácil sair da situação que eu saí e ter me reerguido”, diz Bruno, ao UOL.

TRÊS EMPREGOS

Bruno acorda às 6h em sua casa em Santo André. De lá, parte rumo à capital para o emprego em uma importadora de semijoias. Ele é funcionário da empresa, com carteira assinada, e a estabilidade do serviço foi importante na decisão de encerrar a carreira de jogador profissional. O expediente começa às 8h e vai até as 18h, mas o dia está longe de terminar.

Ele concilia o trabalho com outras duas ocupações. O ex-atleta é sócio de uma escolinha de futebol em São Bernardo, a Nacional da Vila Vivaldi, e também tem uma empresa que oferece aulas de futebol em condomínios espalhados pela Grande São Paulo. Depois do serviço, Bruno vai dar aulas e costuma voltar para casa só às 22h30.

“Todo dia é essa pegada aí, e depois jogos no final de semana”, comentou, após narrar a jornada que enfrenta no cotidiano. Além dos empregos, ele ainda divide o tempo livre com o futebol de várzea. O ex-Corinthians disputa vários campeonatos e é tetracampeão seguido por times diferentes.

FINAL DE CARREIRA

Bruno nunca teve sequência no Corinthians e acumulou empréstimos, sem nunca ter emplacado, até tentar a sorte fora do Brasil, em 2011. Foram apenas quatro jogos no time principal do clube que o revelou. Ele passou quatro temporadas fora do país até fechar com a Portuguesa. Também não deu certo. Em 2017, no Atibaia, foi o início do fim dos dias como jogador profissional.

O então lateral sofreu uma lesão no tornozelo nos primeiros jogos no novo time. Para acelerar a recuperar e não perder todo o campeonato, aceitou tomar uma injeção de Diprospan para combater a dor, mas foi flagrado no exame antidoping e tomou o gancho de dois anos. Ele afirmou que o medicamento foi uma sugestão de um massagista e que não teve nenhum apoio do clube no julgamento.

“Eu sofri bastante com o final da carreira, principalmente da forma como foi, que lidei com situação de doping. Até voltar, as portas meio que se fecharam, e infelizmente a carreira acabou. Esse recomeço foi muito difícil porque a gente acaba ficando sem rumo, principalmente da forma como foi. O jogador de futebol, no final de sua carreira profissional, ele normalmente já vai se preparando para um pós-carreira. No meu caso, fui pego de surpresa e de imediato. Eu não tinha nada programado, não tinha ideia do que seria feito.”

RECOMEÇO

Suspenso, o ex-Corinthians se virou para não ficar parado. Ele tirou certificado de monitor no sindicato dos atletas e começou a dar aulas de futebol, além de ter entrado no emprego na importadora e na faculdade de Educação Física. Uma coincidência do destino o levou até uma unidade da Ronaldo Academy, franquia de seu ex-companheiro de time, para dar aulas. Depois disso, abriu sua própria escolinha e engrenou.

Naquela época, Bruno encontrou amparo na família, principalmente na esposa Mayara, que o ajudou a encontrar o rumo. Ele enfrentou dificuldades financeiras, mas se reestabeleceu.

O ex-jogador tocava os trabalhos enquanto nutria a esperança de ainda voltar a jogar. Passada a suspensão, Bruno esperou cerca de um ano para retornar ao futebol, mas não recebeu uma oportunidade que o agradasse. O emprego CLT pesou mais na balança do que se arriscar em uma nova empreitada nos gramados. Ele tomou a decisão consciente, mas a dor do fim precoce da carreira está lá até nesta quarta-feira (20).

“Eu esperei mais um ano depois que acabou a punição por doping. Tentei encontrar novas oportunidades em outros clubes, mas as propostas que vinham não agradavam, não eram legais. Ficava muito difícil você trocar o certo, um emprego regime CLT, carteira assinada, tudo bonitinho, por algo duvidoso que eram as propostas que estavam surgindo. Eu tinha muito bem claro que o profissional tem que ter até um limite.”

SAÍDA DO CORINTHIANS E ARREPENDIMENTO

Bruno analisa que quatro fatores pesaram para que ele não tivesse sucesso no Alvinegro: pressão do Centenário, concorrência na posição, falta de oportunidade e de confiança.

“Primeiro, o período, essa questão da pressão do centenário, da falta de uma Libertadores. Também na minha posição, com os jogadores que chegaram, inclusive o Roberto Carlos. Tem ainda a questão da falta de oportunidade com o treinador, a base não era muito valorizada, e, da minha parte, a timidez. Não ter confiança de colocar em prática aquilo que fazia na categoria de base, de ficar muito preso e admirado com as coisas de profissional. Devia ter sido mais corajoso e botar para quebrar mesmo”, afirma.

O maior arrependimento no futebol é ter retornado ao Brasil. Após sair do Corinthians, ele passou uma temporada na Suíça, mas depois encontrou estabilidade no Azerbaijão, onde ficou entre 2012 e 2014. Apesar de a carreira ter ido ladeira abaixo depois disso, o ex-jogador encontrou sucesso na vida pessoal: conheceu a esposa, com quem construiu e está aumentando a família.

“O que eu tenho de arrependimento é de ter voltado ao Brasil, não ter ficado no Azerbaijão, onde eu tinha uma carreira sólida. Eu deveria ter continuado lá, estava familiarizado com a cidade, éramos atuais campeões nacionais, disputávamos Liga Europa. Poderia ter me estabilizado financeiramente. Mas eu não posso só enxergar o lado ruim. Isso fez eu conhecer e estar com a mulher que eu estou nesta quarta-feira (20). Acredito que foi uma uma troca justa, né? A minha carreira pela mulher da minha vida, mãe da minha filha”, diz o ex-jogador.

VÁRZEA E NOVO SONHO

Bruno encontrou na várzea a solução para seguir praticando o esporte que ama. A sensação de jogar completou o vazio que tinha se formado nele com o drama do fim da carreira profissional, sem falar na ajuda financeira. “A várzea é bem remunerada, inclusive até melhor que muitos clubes por aí de Série A2, A3… Então, você pode ter seu trabalho normal e nos fim de semana ter os jogos”, complementou.

Outra realização é a filha que está por vir. Maria Clara deve nascer em junho e vai mudar a rotina do ex-Corinthians, que terá que frear o futebol para se dedicar à nova e tão esperada função: ser pai.

“A gente vai ter que se virar nos 30 em relação aos horários, conciliar trabalho com o nosso papel de pai, mas isso é um sonho, é algo planejado por nós, é o maior sonho a ser realizado. Vamos virar verdadeiros super-heróis para nos adaptar à questão dos horários e manter o trabalho e o sustento de casa. No final de semana, os jogos vão diminuir para dar mais atenção à família. À medida que vai chegando o momento próximo do nascimento, o frio da barriga aumenta, mas é o maior sonho, não vejo a hora da chegada dela”, diz Bruno.

ANDRÉ MARTINS / Folhapress

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