CARACAS, VENEZUELA (FOLHAPRESS) – As primeiras declarações do presidente Lula (PT) sobre as eleições na Venezuela causaram surpresa em setores da oposição que viam esperança de o Brasil ampliar a pressão pela lisura do processo.
Um dos diplomatas mais respeitados do país, Milos Alcalay, 78, ex-embaixador no Brasil (1997-2000), diz estar preocupado.
“Nos preocupa muito o giro de Lula”, afirma ele à reportagem. “Parece que Lula agora é o porta-voz de Celso Amorim, não o contrário. São declarações muito pró-[Nicolás] Maduro, que praticamente deixam para as calendas gregas o problema”, segue Alcalay.
“Os tribunais estão cooptados na Venezuela. Aqui não há Justiça. Dizer isso é permitir Maduro e não insistir que se contem os votos.”
O brasileiro afirmou nesta terça-feira (30) não ver nada de grave ou de anormal no processo eleitoral venezuelano. E recomendou que os que questionam os resultados entrem na Justiça para questionar.
“Todos aplaudimos a posição inicial de Lula, que de maneira muito clara e categórica disse para que Maduro entregasse o poder a quem ganhasse e que não se podia ameaçar a situação com ‘banhos de sangue’. Uma posição que teve uma incidência muito grande em outros setores da esquerda democrática na América Latina”, afirma Alcalay.
“Mas então Amorim vem e dá algumas declarações muito distintas das de Lula. São declarações decepcionantes. Parecia que estava em linha distinta de Lula. Agora, porém, entendemos que não.”
Alcalay compõe a comissão de política internacional da campanha opositora e, por ter sido representante no Brasil, é uma voz importante no tema das relações bilaterais.
Ele havia falado com a reportagem pouco antes de Lula dar suas declarações e criticado o que chamou de “low profile absoluto” de Amorim em Caracas. Afirmava então que Lula tinha assumido um papel equilibrado e uma “claridade meridiana” sobre o processo venezuelano, mas que Amorim ficou escondido como enviado.
Essa opinião mudou com as falas do petista.
Ainda assim, diz Alcalay, “Lula ainda não reconheceu uma vitória de Maduro, e isso é bom”. “Mas Lula não é somente líder do PT, que diz reconhecer Maduro. Há um Brasil profundo que tem muita esperança da defesa do voto da Venezuela.”
Ele se diz preocupado com as consequências que as falas de Lula podem ter nas negociações que Brasília trava com México e Colômbia para ajudar no cenário venezuelano. Mais cedo o chanceler colombiano voltou a pedir que se divulguem as atas eleitorais.
Celso Amorim chegou a Caracas na última sexta-feira (27) e partiu nesta terça-feira. Ele então levou para o presidente Lula em Brasília aquilo que colheu junto a reuniões com oposição, regime -esteve com o ditador Nicolás Maduro-, com os observadores independentes do Centro Carter e com enviados da ONU.
Quando falou à reportagem na manhã desta segunda-feira (29), após a autoridade eleitoral da Venezuela afirmar com 80% dos votos apurados que Maduro foi eleito e de a oposição de Edmundo González e María Corina Machado afirmar que houve fraude, Amorim disse que “nem o governo e nem a oposição comprovaram nada ainda”.
O Brasil pede que as atas eleitorais sejam divulgadas.
Para figuras como o ex-embaixador Alcalay, Amorim foi demasiado sucinto em seus posicionamentos para o papel que cumpre como enviado de Lula e para a carreira diplomática que carrega.
Depois de servir como embaixador no Brasil, o venezuelano que hoje atua como analista político foi enviado para representar a Venezuela na ONU. Era o início do governo de Hugo Chávez. Até que em 2004, ele renunciou ao dizer que não poderia compactuar com um governo que tem violado os direitos humanos e feito ameaças à democracia.
Alcalay afirma que não vê planos na oposição de montar alguma espécie de governo paralelo. “Isso não é ‘Guaidó 2”, diz ele. Maduro tem afirmado que o atual cenário seria uma repetição do que houve em 2019, quando o então presidente da Assembleia, o opositor Juan Guaidó, autoproclamou-se presidente interino do país e foi reconhecido por parte da comunidade internacional.
“O que vemos nas ruas é reflexo de condições eleitorais fraudadas. A crônica de uma fraude anunciada. Mas com as provas em mãos se pode contar voto por voto”, diz ele. “O que hoje está em discussão não é um ‘Guaidó 2’, mas o respeito à decisão de 28 de julho.”
“Guaidó entrou sendo presidente da Assembleia Nacional e com uma série de erros. No momento o que há é exigir o cumprimento da Constituição e do respeito ao voto do povo.”
“A solução não é criar um gabinete à sombra, mas insistir na verdade: Edmundo González conseguiu maioria”, segue. “Essa explosão social é algo que não se pode deter. O cidadão sabe que votou e que seu voto foi manipulado. É uma primavera venezuelana”, diz o diplomata.
Para Alcalay, a dobradinha Edmundo González e María Corina é um “binômino exitoso”. “Ele é um diplomata com mais de 40 anos de carreira, que liderou as negociações internacionais da oposição por muito tempo, inclusive com Guaidó. Ela, por sua vez, alguém com muita experiência política.”
Liberal, María Corina liderou no início dos anos 2000 o pedido de um referendo para tirar o então presidente Hugo Chávez do poder. Ela conseguiu reunir multidões no país nos últimos meses e venceu de forma acachapante as primárias realizadas pela oposição, mas logo depois foi inabilitada para concorrer a cargos públicos.
Nesta segunda-feira, Celso Amorim se reuniu com Edmundo González na residência da embaixadora brasileira em Caracas. María Corina não estava. Antes, ao falar à reportagem, o ex-chanceler disse que não havia chances de que se reunisse com ela. “Falo com quem tem informações úteis a me dar”, afirmou ele na ocasião.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress