BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – O governo de Goiás faz planos para se tornar protagonista na produção de biometano no Brasil, um desafio ambicioso para um estado que hoje nem sequer produz esse tipo de combustível limpo, considerado uma alternativa ao diesel.
Para alcançar o objetivo, afirma que irá colocar nas ruas 500 ônibus movidos a biometano na região metropolitana da capital a partir de 2026. O projeto é considerado pela gestão de Ronaldo Caiado (União Brasil) como um gatilho que pode destravar o potencial do estado.
A ideia é aproveitar o desenvolvimento local do setor sucroenergético, hoje o terceiro maior produtor de etanol do país, para incentivá-lo a investir na geração de biometano.
Nesse caso, restos orgânicos da matéria-prima utilizada para o etanol (cana e milho) são processados em um compartimento fechado, emitindo biogás. Purificado em outro processo, se transforma em biometano –e ainda gera biofertilizantes.
Para estimular a indústria, o governo deverá garantir a compra, por 20 anos, de 4,8 milhões de metros cúbicos (m³) de biometano por mês, combustível que abasteceria os 500 ônibus.
“É um volume razoável, que destrava o mercado”, diz Adriano da Rocha Lima, secretário-geral de Governo do Estado de Goiás.
Ele afirma que esse contrato de demanda garante segurança para investimentos de longo prazo na produção do biometano.
André Rocha, presidente-executivo do Sifaeg, sindicato que representa os produtores de etanol no estado, elogia a medida. Ele diz que o investimento necessário para a instalação de uma unidade para produzir biometano parte de R$ 100 milhões e que o contrato de longo prazo é um fator essencial.
Outro, porém, é o preço de venda do biocombustível, que está sendo discutido entre produtores e as empresas concessionárias de transporte público.
“O governo garantir a demanda é ótimo, mas não adianta se tiver um preço que não feche a conta”, ele afirma, ao lembrar que boa parte da produção de etanol em Goiás está espalhada pelo território, e o custo de logística é importante diante da ausência de gasodutos no estado.
O secretário estadual afirma que, com a demanda garantida, a indústria pode ampliar a oferta também para a demanda de veículos de carga pesada, como caminhões, o que poderia justificar o investimento em gasodutos no futuro.
“Hoje, o biometano pode ser transportado em caminhão da mesma forma que é feito com o diesel e o etanol”, diz Adriano da Rocha, para quem o preço do biocombustível é cerca de 20% mais competitivo que o diesel, um combustível considerado sujo.
Essa espécie de efeito em cadeia positivo para o desenvolvimento do biocombustível no estado pode ajudar a romper um problema no país que está ligado tanto à oferta quanto à demanda, avalia Renata Isfer, presidente executiva da Abiogás (Associação Brasileira do Biogás).
“O biogás por vezes não avança porque existe um problema de ‘ovo ou a galinha'”,afirma.
“De um lado, o caminhoneiro não consegue abastecer com GNV [gás natural veicular] ou biometano porque não acha nos postos. Já as redes de revenda e distribuição de combustíveis dizem que não oferecem porque não tem demanda “, diz a executiva.
A produção nacional de biometano, hoje liderada pelo Rio de Janeiro, é de cerca de 800 mil m³ por dia. A Abiogás projeta que ela deve se multiplicar por dez até 2023.
“O potencial total do biogás teórico, que abrange o uso de todos os resíduos, é de 120 milhões de m³ por dia. Isso significa o dobro do que o Brasil consumiu ano passado de gás natural fóssil”, afirma Isfer.
Goiás não possui oferta atual de biometano, mas tem plantas em processo de autorização da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) que irão garantir 56 mil m³ por dia (1,68 milhão por mês), nas contas da Abiogás.
Nos cálculos do governo, até março de 2026 a oferta mensal projetada pelos projetos em desenvolvimento é de 2 milhões de m3 por mês. No futuro, estima que pode chegar a 2,2 bilhões de m³ anuais de biometano.
A consultoria CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) avalia que o estado tem o potencial para liderar o setor no país, não apenas por meio do setor sucroenergético, mas também pecuário.
Os primeiros testes com os ônibus movidos a biometano devem ser feitos no início de 2025, e os 500 veículos devem estar rodando a região metropolitana da capital até o primeiro semestre de 2026.
No início, caso a demanda seja superior à oferta do biometano, os fornecedores se comprometerão a fornecer gás natural veicular (GNV), combustível que pode ser usado sem necessidade de adaptação dos veículos.
Este é o maior projeto de transporte público com o uso do biocombustível no país, segundo o secretário. No ano passado, Londrina (PR) fez o primeiro teste de uma operação real com um ônibus movido 100% a biometano no transporte urbano de passageiros.
ARTUR BÚRIGO / Folhapress