TOULOUSE, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Se a maconha fosse legalizada e regulada no Brasil, qual modelo serviria melhor aos interesses nacionais? Aliás, quais são esses interesses?
Na busca por responder a essas perguntas será lançado nesta terça-feira (27) em um evento no Congresso Nacional o manual “Como Regular a Cannabis – um guia prático”.
A publicação, produzida pela ONG britânica Transform Drug Policy Foundation, é referência internacional desde a sua primeira edição, em 2013, e chega ao país em versão atualizada e traduzida por iniciativa do Justa, organização que defende o debate público em torno de uma regulamentação da cânabis que promova a saúde, os direitos humanos e a redução de danos.
“A questão hoje é menos se a cânabis deveria continuar a ser proibida ou não, e mais sobre como funciona a regulação na prática e o que podemos aprender com as experiências e práticas já implementadas”, avalia Steve Roller, analista sênior da Transform.
O Supremo Tribunal Federal (STF) debate há oito anos a descriminalização do uso de drogas para consumo pessoal no Brasil. Nesse período, países como Uruguai e Canadá tornaram legal e regulado o mercado de cânabis para uso não medicinal.
Rolles, que atuou como consultor da lei uruguaia, participa dos debates do evento de lançamento do guia nesta terça, no auditório Freitas Nobre, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Dos debates também participam parlamentares e pesquisadores, além da secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, Marta Machado, e do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT).
“O Brasil tem políticas de drogas muito atrasadas”, diz o advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa, e autor de “Lei de Drogas Interpretada na Perspectiva da Liberdade” (ed. Contracorrente).
Para ele, o lançamento do guia em português é um caminho para qualificar o debate e desmitificar a regulação da cânabis ao mostrar que, nos territórios onde a escolha foi pela regulação do mercado de maconha, houve bons resultados.
A legalização regulada da maconha para uso não medicinal teve um perfil diferente em cada país. Enquanto o modelo uruguaio tem maior controle estatal, assim como acontece em algumas províncias do Canadá, muitos dos estados americanos que liberaram o uso da droga escolheram modelos mais comerciais.
Outros países, como África do Sul, Alemanha, Tailândia, Malta, República Tcheca, Suíça e Luxemburgo também deram passos na direção da legalização regulada.
“Estamos em um laboratório de modelos”, diz Rolles. “Mas, seja sob modelos mais comerciais ou mais controlados, nada de muito terrível aconteceu. Não houve uma explosão no uso ou no crime, que, em alguns lugares, até mesmo caiu, assim como caiu o número de pessoas presas por crimes relacionados a drogas”, destaca.
Segundo ele, leis de drogas de todo o mundo fizeram com que o peso da criminalização tenha recaído especialmente sobre grupos já marginalizados e vulneráveis. “Remover essa arma de opressão tem se mostrado ser algo bom.”
O guia sistematiza os principais aprendizados decorrentes das experiências de regulação da cânabis no mundo ao mesmo tempo em que usa o histórico de regulação de outras drogas, como álcool, tabaco e produtos farmacêuticos, para apontar quais foram as práticas consideradas mais exitosas.
São minuciados aspectos da formulação da política pública relacionados aos meios de produção, aos tipos de produtos permitidos, ao preço do produto final, à tributação e sua função, aos níveis de potência em THC (principal substância psicoativa), às embalagens, pontos de venda e publicidade, além das restrições para consumidores menores de idade e para locais de consumo.
Para Rolles, é importante aprender com os erros cometidos com outras substâncias, como o álcool e o tabaco. “São substâncias que foram pouco reguladas e muito comercializadas, sendo que geram problemas crônicos de saúde e, no caso do álcool, ainda funcionam como combustível para violência e acidentes de trânsito”, explica.
“Houve uma regulação que favorecia a indústria, e não a saúde pública. E isso deve ser evitado a qualquer custo numa regulação responsável da cânabis”, diz.
O pesquisador e ativista britânico também destaca que a regulação de um mercado emergente de maconha também pode ser uma ferramenta para reparação de grupos sociais e comunidades mais impactadas pelo mercado antes ilegal.
“Alguns modelos investiram recursos nos territórios que mais sofreram o impacto da guerra às drogas e encorajaram a participação no mercado de membros dessas comunidades, para que se beneficiassem da legalização regulada”, afirma.
FERNANDA MENA / Folhapress