SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os ingleses planejam testar pela primeira vez um programa de renda básica universal no valor de 1.600 libras (R$ 9.965). A experiência deve durar dois anos, e os participantes vão ser monitorados para que sejam medidos os efeitos do programa na saúde física e mental deles.
Mensalmente, 30 pessoas serão habilitadas para receber a quantia fixa sem que seja condicionado o tipo de gasto que as famílias poderão ter, se estão desempregadas ou trabalhando.
Para isso, foram selecionadas duas localidades na Inglaterra: Jarrow, no nordeste do país, e East Finchley, no norte de Londres.
Pesquisadores do think tank Autonomy, responsável pelo projeto, estimam que, além do 1,15 milhão de libras (R$ 7,17 milhões) em dois anos, os pagamentos do benefício devem ter custos adicionais de cerca de 500 mil libras (R$ 3,11 milhões) com avaliação e pesquisa.
O teste da Autonomy ainda busca financiamento e não tem data para começar. “Embora saudássemos o apoio do governo para o piloto, atualmente esperamos que o financiamento venha de investidores privados”, disse o grupo à reportagem.
O projeto prevê que participantes serão selecionados a partir de uma lista de voluntários, sendo que 20% das vagas são para pessoas com deficiência.
O experimento também vai selecionar um grupo de controle, com pessoas que não irão receber o benefício durante o mesmo período, para assim medir os efeitos que a renda extra causou nas famílias beneficiadas.
Ao apresentar o projeto, o diretor de Pesquisa do Autonomy, Will Stronge, ressaltou a importância do investimento.
“Todas as evidências mostram que isso aliviaria diretamente a pobreza e aumentaria o bem-estar das pessoas. Os benefícios potenciais são grandes demais para serem ignorados.”
Ele diz que, com as próximas décadas cheias de choques econômicos devido às mudanças climáticas e novas formas de automação, a renda básica será um mecanismo crucial para garantir meios de subsistência no futuro.
Apoiadora da iniciativa, a cofundadora do Basic Income Conversation Cleo Goodman disse ter expectativa de que o projeto dê origem a outras propostas semelhantes no país.
“Ninguém deveria encarar a pobreza, tendo que escolher entre aquecer e comer, em um dos países mais ricos do mundo. A renda básica tem o potencial de simplificar o sistema de bem-estar e combater a pobreza na Grã-Bretanha.”
“Não tenho muitas economias e me preocupo com o futuro. Quando estávamos recebendo benefícios quando meu marido estava doente [na pandemia], não dava para economizar nada. Aliviaria minha ansiedade. Tenho um emprego bastante seguro, mas você nunca sabe quando isso vai mudar”, disse um morador de Jarrow aos pesquisadores.
A escolha de Jarrow para testar o modelo tem um peso simbólico. Em 1936, um grupo de pessoas marchou do nordeste da Inglaterra até Londres para entregar uma petição pela criação de postos de trabalho. Em 2011, ativistas refizeram a marcha, para repassar um documento semelhante ao primeiro-ministro à época, David Cameron.
Projetos-piloto dessa natureza estão em andamento em outros países. No País de Gales, por exemplo, há um programa de renda também de 1.600 libras mensais por dois anos e voltado para jovens que acabaram de completar 18 anos.
À imprensa britânica, a Autonomy afirmou que seu projeto seria diferente de pilotos anteriores, liderados pelo governo, pois seria comandado pelas duas comunidades e suas circunstâncias únicas.
Apesar de o benefício de 1.600 libras ser de um valor considerável, é preciso ponderar o custo de vida elevado no país, sobretudo em Londres. Segundo um ranking da ECA International, a capital do Reino Unido era a quarta mais cara do mundo atrás de Nova York, Hong Kong e Genebra.
Em maio, a inflação no Reino Unido parou de cair e ficou em 8,7%, segundo dados oficiais. Economistas avaliam que aumentaram as chances de o Banco da Inglaterra subir os juros.
Atualmente, o salário mínimo no Reino Unido é de 10,42 libras (R$ 64,90) por hora para pessoas com 23 anos ou mais. Segundo o governo britânico, 2,9 milhões de trabalhadores recebem o pagamento mínimo.
Para tentar frear o aumento do custo de vida no país, o governo manteve um programa de teto de preços de energia e prorrogou o congelamento de impostos sobre combustíveis.
O modelo de renda universal tem sido alvo de debates em países de todo o mundo como uma forma de tirar a pressão dos sistemas de seguridade social e aliviar a pobreza.
As discussões sobre a necessidade de um auxílio universal ganharam ainda mais força nos últimos anos, durante a pandemia de Covid-19, quando milhões de famílias se viram sem condições de trabalhar com segurança. Economias com um forte setor de serviços, como a britânica, foram bastante prejudicadas.
Em artigo recente publicado na Folha de S.Paulo, Pedro Olinto, economista sênior do Banco Mundial, argumenta que programas que são focalizados, caso do Bolsa Família, têm menor custo, mas exigem investimentos no processo de seleção dos beneficiários, o que acaba se tornando um fator complicador, dado que o mercado de trabalho é cada vez mais volátil.
“Em contrapartida, a renda básica universal oferece uma rede de segurança constante que não requer ativação a cada crise econômica aguda. Além disso, ela pode se tornar mais focalizada se combinada com um Imposto de Renda mais progressivo.”
Para Marcelo Neri, diretor da FGV Social (da Fundação Getulio Vargas), ainda falta no Brasil um experimento robusto, com a intenção de apurar os efeitos de um programa como o proposto pelos ingleses. “Geralmente, a gente começa tentando acertar na escala do programa, e mesmo assim sem evidências para apurar os efeitos.”
“Mas ainda acho que um programa mais focalizado e condicional, como o Bolsa Família, adequa-se mais ao Brasil, onde se tem muita desigualdade. Jogar dinheiro ‘de helicóptero’ pode não ser o melhor caminho.”
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress