Mortes por PMs com câmeras aumentam 86% sob Tarcísio e chegam a 84 em 2023

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O total de mortes cometidas por policiais militares que atuam em batalhões com câmeras corporais no estado de São Paulo registrou alta de 86% em 2023 –primeiro ano da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos)- na comparação com 2022.

Os dados, obtidos com exclusividade pela Folha, mostram que o número de casos segue abaixo do que era antes da implementação do equipamento. O governador já questionou a eficácia do dispositivo, mas nesta quarta (22) anunciou um edital para ampliar o programa.

Ele pretende, porém, alterar significativamente o sistema em vigor, principalmente na forma como a gravação é feita. Especialistas em segurança pública apontam que o novo modelo pode trazer prejuízos para futuras investigações, ao deixar sob responsabilidade dos policiais na rua a ligação do equipamento.

Atualmente, 18 batalhões utilizam as câmeras corporais, que funcionam de maneira ininterrupta, sem que os agentes precisem ligá-las. Com a mudança proposta por Tarcísio, caberá ao policial ligar a câmera para que a gravação tenha início. Além disso, uma central também poderá fazer o acionamento caso ela perceba que o agente na rua descumpriu o protocolo e não ligou o equipamento.

Os policiais das unidades que hoje usam o equipamento mataram 84 pessoas no ano passado, ante 45 em 2022 (quando o estado foi comandado pelos então tucanos João Doria e Rodrigo Garcia). Em 2019, o último ano sem uso de câmeras, foram 261 casos.

O sistema começou a ser usado em São Paulo em 2020, ainda em fase de testes em três unidades. Aquele ano registrou o número mais alto da série histórica (desde 2017), com 266 mortes.

A utilização das câmeras ganhou força a partir de junho de 2021, quando foi ampliado para os atuais 18 batalhões –naquele ano, a quantidade de mortes caiu para 119.

Os números foram repassados para a Folha pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que analisou os dados do Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial) do Ministério Público estadual.

Os dados incluem apenas as unidades que têm câmeras. São cerca de 10 mil policiais com o equipamento atualmente, 13% dos 79 mil agentes do estado.

Diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno explica que as unidades que usam o equipamento foram escolhidas exatamente porque tinham a maior letalidade do estado.

Em 2020 elas foram responsáveis por 40% do total de mortes cometidas por policiais militares em serviço. Em 2022, primeiro ano cheio após a implantação das câmeras, a proporção caiu para 17%. A soma do grupo voltou a crescer no ano passado, quando chegou a 23%, diz a pesquisadora. Em todo o estado são cerca de 130 batalhões.

“Está muito claro que o foco do programa, quando foi implementado, era justamente priorizar aqueles batalhões em que existiam suspeitas de uso indevido da força letal. Em 2021, no meio do ano, o programa começa e você percebe que os números caem sensivelmente”.

Entre os 18 quartéis que utilizam as câmeras desde meados de 2021 está a Rota, tropa de elite da PM paulista conhecida por sua alta letalidade.

Em 2020, último ano sem o equipamento, os soldados do batalhão causaram 86 mortes. Em 2022, o primeiro ano completo com as câmeras, foram 7, número que subiu para 33 casos no ano passado. De janeiro ao início de maio de 2024, são 24 mortes.

Essa alta pode estar ligada às operações Escudo e Verão, realizadas pela PM no litoral paulista. As duas começaram após a morte de soldados da Rota, e a unidade participou de ambas. Ao menos 84 pessoas foram mortas nas ações, as mais letais da corporação desde o massacre do Carandiru, em 1992.

O atual secretário de segurança do estado, Guilherme Derrite, é ex-integrante da Rota. Para Samira do Fórum, ele e o governador implementaram políticas que levaram ao aumento dos casos.

“Com a implementação das câmeras, todos os batalhões tiveram uma redução sensível no número de mortes por intervenções policiais, sem que isso significasse ampliação do risco por policial, muito pelo contrário, tanto que caiu o número de policiais assassinados. E esses números se mantêm, é uma redução muito expressiva. Até que em 2023 eles voltam a crescer”, disse ela. “Isso revela que a gente já está diante de um desmonte do programa. Com a nova licitação, a situação tende a piorar.”

Samira se refere ao novo edital para compra de 12 mil câmeras corporais anunciado nesta semana (23) pelo governo Tarcísio. A ideia é que esses novos equipamentos substituam os que estão atualmente em uso.

Em nota, Polícia Militar disse que no novo modelo de câmera operacional todo policial deverá acionar a câmera durante uma ocorrência. “Quando isso não acontecer o acionamento se dará remotamente e o policial será responsabilizado”.

“Além disso, a câmera pode ser acessada remotamente e terá um sistema de ‘buffer’, para armazenar imagens 90 segundos antes de ser acionada, para que seja possível registrar toda a ocorrência desde o início”.

Além da Rota, outras unidades da PM que utilizam o sistema de câmeras conseguiram manter a diminuição da letalidade.

O 28° batalhão, que cobre parte de Itaquera, na zona leste da capital, passou de 19 mortes em 2020 para 2 casos em 2022 e 1 caso em 2023. Nos três primeiros meses deste ano, 3 pessoas foram mortas por PMs.

Situação Semelhante ocorre no 38° batalhão, com sede em São Mateus, também no trecho leste da cidade. Conforme os números tabulados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública através foram 16 mortes em 2020 ante 1 caso 2022, 1 2023 e 1 até março deste ano.

No interior do estado, o 48° batalhão, em Sumaré, na região de Campinas, foi outro a ver desabar o número de mortos após a chegada das câmeras. Foram 17 mortes em 2020, 2 casos em 2022 e nenhum em 2023. Neste ano, em três meses, 1 pessoa foi morta pela PM.

Para a secretaria, os índices de letalidade policial estão ligados diretamente à reação violenta dos suspeitos ao trabalho policial. “A atual gestão tem combatido de forma mais efetiva, com treinamento, inteligência e tecnologia, todas as modalidades criminosas, em especial o crime organizado. A opção do confronto é sempre do infrator, que coloca em risco a população e os policiais”.

Segundo a SSP, todas ocorrências registradas são rigorosamente investigadas pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário. “No primeiro trimestre do ano, houve 186 casos de mortes em confronto com policiais em serviço no estado. O número representa 0,3% do total de presos e apreendidos em igual período, quando 7.099 suspeitos foram detidos”.

PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress

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