MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – A Petrobras cometeu infrações ambientais que resultaram na aplicação de mais de 3.000 multas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) nos últimos dez anos. As autuações somam R$ 985,6 milhões.
O andamento desses autos de infração mostra que houve baixas de processos –o que inclui a quitação de parte dos débitos– no valor de R$ 49,9 milhões, apenas 5% do total. O restante, R$ 935,6 milhões, segue em aberto no sistema do órgão federal.
A Petrobras, em nota, diz que “se reserva o direito” de contestar as multas “administrativamente nos casos em que há pontos controversos”.
As informações foram obtidas pela Folha de S.Paulo por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), junto ao Ibama.
Os dados sobre multas são disponibilizados pelo órgão em consultas abertas, no seu sistema de transparência. Como há divergências de critérios e falhas na disponibilização das informações, porém, a reportagem adotou o caminho da LAI para obtenção das planilhas.
Para a definição dos valores finais ano a ano, a reportagem excluiu autos de infração que se repetiam. O status do débito informado corresponde àquele do momento da consulta às multas, em fevereiro de 2024, conforme o Ibama.
A maior parte das autuações, incluídas as de maior valor, diz respeito a processos de exploração de petróleo pela estatal, como despejo indevido de óleo no mar, descarte contínuo de água resultante dos procedimentos adotados e descumprimento de condições estabelecidas nas licenças emitidas pelo Ibama.
As estratégias de contestação das multas fazem com que os processos se arrastem por anos, inclusive com prescrição de processos. Em dez anos, a Petrobras segue sem pagar quase R$ 1 bilhão em multas, conforme as planilhas fornecidas pelo Ibama.
O valor se soma a um montante semelhante, de R$ 980 milhões, devido pela estatal em razão de empreendimentos com grande impacto ambiental, como a Folha de S.Paulo mostrou em reportagem publicada no último dia 3. São compensações ambientais previstas em lei que passam a ter correção monetária diante da demora na assinatura dos termos para quitação.
O dinheiro deveria ser usado em unidades de conservação. Somadas as compensações e multas devidas, são quase R$ 2 bilhões.
Em nota, a estatal diz que faz avaliação técnica e jurídica das autuações, dentro do que permite a lei. “Tais questionamentos muitas vezes são acatados pelos órgãos competentes, o que resulta na anulação ou redução do valor das multas.”
Pagamentos, nesses casos, só ocorrem após a conclusão de todos os trâmites processuais, e as etapas e prazos não competem à empresa, cita a nota.
“A empresa comunica às autoridades competentes toda e qualquer anomalia em seu processo produtivo e busca constantemente implementar melhorias em suas operações”, afirma.
Sobre as compensações ambientais, a Petrobras diz que não há pendências, que cumpre a legislação e suas obrigações e que assina os termos de compromisso assim que os documentos são disponibilizados.
A estatal se prepara para ampliar a produção de petróleo, inclusive na costa amazônica.
A Petrobras pressiona o Ibama para a concessão da licença, ainda em 2024, necessária à pesquisa de óleo no chamado bloco 59, que fica a uma distância da costa de 160 km a 179 km, na direção de Oiapoque (AP). Essa licença já foi negada uma vez, em 2023.
A estatal já tentou explorar petróleo na mesma bacia Foz do Amazonas, num poço perto do bloco 59, mas abandonou o projeto de vez, em 2016, após um acidente durante atividade de perfuração do bloco, o FZA-4.
A nova fronteira buscada pela Petrobras tem respaldo do presidente Lula (PT), que já deu sinais do aval à exploração de petróleo na costa amazônica. Os projetos se estendem pela margem equatorial brasileira, para além dos limites amazônicos.
As duas maiores multas em aberto, conforme os dados fornecidos pelo Ibama por meio da LAI, têm valor individual de R$ 35.055.000,00. Foram aplicadas em dezembro de 2019.
A Folha de S.Paulo obteve o relatório de fiscalização referente a uma delas. O órgão analisou se a plataforma P-50, na bacia de Campos, cumpria os procedimentos ambientais exigidos no licenciamento.
Segundo os técnicos, havia uma “ação continuada com descarte de efluentes in natura, não realizando o tratamento de águas cinzas e contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes”. A Petrobras “não atende a recorrentes constatações de auditoria” e “não atende ao próprio plano de ação”.
“Dado o porte da empresa e sua capacidade técnica, é injustificável que uma simples estação de tratamento fique fora de operação o período verificado”, cita o relatório, que considerou haver intencionalidade na infração e significativa consequência para o meio ambiente e para a saúde pública.
As outras três maiores autuações listadas nas planilhas fornecidas pelo Ibama também dizem respeito à exploração de petróleo na bacia de Campos.
Na plataforma P-53, houve descarga de 122 m3 de óleo, contrariando o previsto na lei e no licenciamento, segundo o órgão federal. A multa aplicada foi de R$ 35.051.000,00. Na Cherne-2, o problema verificado foi no descarte da água resultante do processo de produção. A multa aplicada foi de R$ 30 milhões.
Houve ainda “emissão de efluente (água de produção com alto teor de óleo cru) e perecimento de espécimes da biodiversidade”, também em um ponto da bacia de Campos, conforme uma quinta autuação -no valor de R$ 25.110.000,00.
Ex-presidente do Ibama, Suely Araújo afirma que a Petrobras adota uma postura empresarial de usar “todos os recursos administrativos e judiciais” para protelar e não pagar as multas.
“Há uma priorização da tentativa de não pagar”, diz Araújo, que presidiu o órgão federal entre 2016 e 2018. Hoje ela é coordenadora de políticas públicas da organização Observatório do Clima.
Em 2018, o conjunto total das multas aplicadas pelo Ibama à Petrobras superava R$ 1 bilhão, segundo a ex-presidente do órgão. “Pode ter havido acordos em alguns processos.”
Uma parte expressiva das autuações diz respeito à água resultante do processo de produção, que deve voltar limpa ao mar. “É comum que petroleiras tenham esse problema, especialmente nos campos mais antigos”, diz Araújo.
A Petrobras tem histórico de protelação do pagamento de multas ambientais e o índice de valores que tiveram baixa, 5%, está dentro da realidade do Ibama, segundo a ex-presidente do órgão. “A realidade de baixo pagamento existe, na verdade, em toda autarquia que aplica multa, como o INSS.”
Os pagamentos são mais frequentes quando os valores são mais baixos, conforme Araújo, que defende uma ampliação da conversão das multas em serviços ambientais. “Essa pode ser a única fonte de recursos para uma recuperação de áreas degradadas, por exemplo.”
VINICIUS SASSINE / Folhapress