Por que brasileiros fazem shows no exterior, mesmo sem lucro ou gringos

LISBOA, PORTUGAL E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os cantores brasileiros estão colecionando carimbos em seus passaportes. Nos últimos meses, Anitta atravessou os Estados Unidos, a Europa e a América Latina com uma turnê de funk, na mesma época em que as metrópoles europeias receberam as mesas de mixagem do DJ Pedro Sampaio, as laces —ou perucas— da drag queen Gloria Groove, os pandeiros de Zeca Pagodinho e o bate-cabelo de Joelma e a sofrência de Simone Mendes.

A mesma demanda reprimida que levou a um crescimento dos shows e festivais no Brasil nos anos passado e retrasado, fruto da pandemia de Covid, agora atinge o exterior. Os artistas, sobretudo os mais jovens, têm aproveitado as apresentações, que têm como público principal os brasileiros expatriados que não os veem há anos, para tentar lançar ou ampliar suas carreiras internacionais.

Sob custos de produção altos, com a viagem dos artistas e de suas equipes, o lucro desses shows é menor do que no Brasil e, às vezes, chega até a ser nulo. Mas eles não se importam.

Anitta é quem melhor exemplifica a tendência. Ela encerrou em julho uma turnê com shows apenas fora do Brasil, a “The Baile Funk Experience”, para divulgar o seu último disco, “Funk Generation”, no qual canta em inglês, espanhol e português.

Os shows estavam lotados, mas a artista cantou em casas menores do que no Brasil, com capacidade média para 2.500 pessoas, ante as 15 mil que foram até o Memorial da América Latina, em São Paulo, para vê-la no Carnaval, por exemplo.

Isso não significa que a cantora tenha atraído uma quantidade expressiva de estrangeiros. As plateias dos em Nova York e Paris, por exemplo, eram formadas majoritariamente por brasileiros, segundo relatos de fãs que estiveram no shows.

“A gente tem que ser franco. Os brasileiros na Europa se apresentam só para quem fala português. Às vezes alcançam os nativos de Portugal e os angolanos. Sendo otimista, alguns espanhóis”, diz Sandra Gomes, produtora que vive na Suíça e organiza shows de brasileiros na Europa há 15 anos.

Anitta e sua equipe não quiseram dar entrevista nem divulgar o balanço da turnê, mas parece estar sendo recompensada. Ela fechou o mês de julho tendo no México, e não mais no Brasil, a sua maior base de ouvintes no Spotify, segundo a Chartmetric, startup americana que reúne dados das plataformas de streaming para profissionais da indústria musical.

A cantora, que vem tentando ajudar seus colegas no exterior, convidou Pedro Sampaio para abrir cinco shows de sua turnê. O DJ acaba de voltar da Europa, após tocar no Rock in Rio Lisboa e aproveitar a viagem para fazer a sua primeira turnê no continente.

Ele diz que a empreitada não rendeu dinheiro, mas fez seu nome ser mais conhecido no exterior. “Foi uma construção de marca. Tenho que ser realista. Sou forte só no Brasil e em Portugal, mas em Zurique, Amsterdã e em Paris ainda quero conquistar público.”

A afirmação do DJ é corroborada, em partes, pelas paradas musicais. O Chartmetric aponta que, em Portugal e na França, de fato as reproduções de suas músicas cresceram no mês da turnê. Por outro lado, seus picos de audiência foram registrados em 2022. Não há dados sobre os demais países por onde ele passou, porque a plataforma considera os números baixos para registro.

Os cachês que Sampaio recebeu na Europa —exceto em Portugal— giraram em torno de € 40 mil, o equivalente a R$ 245 mil, segundo seu empresário, Felipe Almeida. No Brasil, o DJ cobra até 60% a mais. E no exterior ele ainda precisou pagar do próprio bolso alimentação, hospedagem, cenografia dos shows e transporte para sua equipe, formada por cerca de 15 pessoas.

“Não vejo como prejuízo”, diz o DJ. “Foi um investimento. A gente fez essa turnê para voltar ainda maior no ano que vem. Para dar um passo fora do Brasil, é preciso dar outros cinco para trás lá fora.”

Gloria Groove também quer levar sua música para o mundo. Fez dez shows na Europa em junho e julho, pela primeira vez contratada por uma empresa estrangeira de agenciamento artístico, a WME, o que ela diz ter otimizado seu avanço no exterior.

“É muito difícil uma turnê internacional ter lucro, ainda mais no meu caso, porque meu preço de produção é muito alto. Eu sou uma drag queen. Preciso levar figurino, cabelo e equipe de beleza”, conta.

Com exceção de Anitta, todo brasileiro que toca fora do Brasil enfrenta a mesma dificuldade, segundo a produtora Sandra Gomes, que fez shows recentes de Leo Santana e Wesley Safadão na Europa. Agora, ela planeja uma turnê do grupo Pixote. “O lucro não chega aos pés do que eles conseguem no Brasil. Mas o que não ganham em cachê, ganham em estrutura e em conteúdo para a carreira”, diz ela.

Gomes, que trabalhava com eventos no Brasil, conta que decidiu se mudar para trabalhar como produtora na Europa no fim dos anos 2010, após ter notado uma demanda dos brasileiros expatriados. À época, ela diz, a Europa só recebia shows de artistas de MPB, como Caetano Veloso e Gilberto Gil.

A exceção eram os metaleiros do Sepultura, a banda brasileira com maior expressividade no exterior até hoje —o grupo já tocou em quase 80 países e fez cerca de 2.000 shows internacionais, segundo levantamento do Deltafolha.

“Quando comecei a frequentar eventos daqui, na Europa, percebi que o ‘povão’ não tinha música comercial. Aí trouxe o grupo Revelação, e eles esgotaram os ingressos”, diz Gomes. Ela acrescenta que, hoje, o ritmo brasileiro que domina a Europa é o funk, porque as batidas envolventes conquistam os estrangeiros de tal forma que eles não se importam com o que é dito nas letras.

Mas, entre os artistas consagrados, há espaço para outros gêneros. Zeca Pagodinho se apresentou na Europa no ano passado, cinco anos depois da sua última turnê pelo continente. Sua empresária, Leninha Brandão, diz que ele gosta de se apresentar na Europa para rever os fãs que migraram e dar aos músicos de sua equipe a oportunidade de viajar para o exterior.

A diferença é que Zeca, diz Brandão, não tem objetivo de lucrar com esses shows. Ele quer relaxar, tanto que pede dias livres para descansar entre um show e outro e turistar. “Zeca ama igrejas. A gente chega e, se der tempo ainda no mesmo dia, vamos visitar igrejas. Ele reza, faz orações. Anda até de metrô, porque tem mais liberdade. Ele se deslumbrou com o metrô na Califórnia.”

Uma das apresentações internacionais mais marcantes da carreira de Zeca foi no festival Luminato, em Toronto, no Canadá, para 20 mil pessoas. É nesses eventos, aliás, onde os artistas têm mais chance de se apresentarem para quem não os conhece. O público vai ao evento para ver um astro internacional e, entre um show e outro, pode conhecer um brasileiro.

Os festivais brasileiros em Portugal, por exemplo, invertem a ordem dos shows e atraem mais portugueses do que brasileiros —cerca de 70% do público do último Rock in Rio Lisboa, em junho, era formado por portugueses, segundo a empresária Roberta Medina, que comanda a versão europeia do festival que seu pai, Roberto Medina, criou há quase 40 anos no Rio de Janeiro.

Em Portugal, a estrutura é menor. Enquanto a próxima edição do festival no Brasil, em setembro, custou cerca de R$ 1 bilhão para ser erguido, a versão portuguesa saiu por um quarto do valor. O controle de custos, dizem os organizadores, é essencial para evitar fracassos. Em Las Vegas, o Rock in Rio reuniu astros como Taylor Swift e Metallica, mas não deu lucro e foi cancelado.

O mercado e o público americano, diz Roberto Medina, não receberam bem um festival cheio de estandes de marcas, cujo patrocínio é essencial para viabilizar a empreitada. “A conversa com patrocinadores americanos é muito difícil. Os caras são soberbos. ‘Um latino não pode fazer o maior evento do mundo’, eles pensam. Então eu tirei o pé de lá.”

Essa foi uma dificuldade enfrentada também pelo Coala Festival, que fez seu primeiro evento no exterior, em Cascais, a 30 quilômetros de Lisboa, após nove edições em São Paulo. “O Coala era uma marca desconhecida em Portugal. Para captar patrocínio, a realidade é outra. Os investimentos são diferentes”, diz Fernanda Pereira, sócia e líder de operações do evento, que aconteceu em maio.

Organizar um festival ou um show fora do Brasil é caro principalmente por causa da estrutura dos eventos, que precisa ser alugada em euro, ante a desvalorização do real, diz Pereira, que não revela se o Coala deu lucro em Portugal nem o quanto gastou para erguer o festival no país.

E artistas que usam um figurino mais complexo enfrentam uma dificuldade à parte. É o caso de Gloria Groove, que levou maquiagem, figurino e suas laces na própria mala. “Tem que viajar de jeito muito esperto, porque a mala pode ser extraviada e não dá para ficar sem a roupa do show do dia seguinte.”

A saída, ela diz, é ter paciência. “Eu sei que é preciso plantar com calma uma carreira internacional. São pelo menos cinco anos para começar a colher alguma coisa de volta.”

O repórter viajou a convite do Rock in Rio

GUILHERME LUIS / Folhapress

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