Processo de sucessão na Vale teve ‘nefasta influência política’, diz conselheiro em carta de renúncia

SÃO PAULO, SP E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O processo de sucessão da mineradora Vale foi afetado por manipulação, conflitos de interesse e agendas pessoais de seus participantes, afirmou José Duarte Penido em sua carta de renúncia ao conselho de administração da empresa.

Penido e Paulo Hartung foram os únicos dos 13 conselheiros a votarem contra a solução para a sucessão de Eduardo Bartolomeo na presidência da companhia, em um processo que ganhou contornos políticos após pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para emplacar o ex-ministro Guido Mantega.

“No Conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse”, diz a carta de Penido, obtida pela reportagem.

Ele não citou nomes, mas a proposta pela substituição de Bartolomeo tinha o apoio da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Em outra frente, a Cosan tentou emplacar seu ex-presidente, Luiz Henrique Guimarães.

Penido reclamou de “frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro descompromisso com a confidencialidade”.

“Não acredito mais na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale a padrão internacional de uma corporation [empresa com controle disperso]”, escreveu.

Além de Previ e Cosan, a Vale tem como acionistas relevantes o Bradesco e a japonesa Mitsui, que também têm assentos no conselho. Grandes fundos globais de investimento como Capital Group e Blackrock também têm participações relevantes, mas sem representantes no colegiado.

Penido estava no conselho da Vale desde 2019. Foi reeleito em 2023, com mandato até 2025. Sua renúncia foi publicada em primeira mão pela agência Reuters. Ao tomar a decisão, ele abre mão de um salário de R$ 1,4 milhão por ano, que é quanto a Vale propõe pagar a cada conselheiro em 2024.

“Apesar de respeitar as decisões colegiadas, a meu ver o atual processo de sucessão do CEO da Vale tem sido conduzido de forma manipulada, não atende aos melhores interesses da empresa e sofre evidente e nefasta influência política”, afirmou o agora ex-conselheiro.

“Neste contexto, minha atuação como conselheiro independente se torna totalmente ineficaz, desagradável e frustrante”, concluiu.

Após semanas de impasse, o conselho de administração da Vale decidiu por 11 a 2, em reunião na sexta-feira, manter Bartolomeo no cargo de CEO até o final de dezembro deste ano. O executivo também vai apoiar a transição para nova liderança, atuando como consultor até 31 de dezembro de 2025.

O desfecho foi uma solução negociada para contornar a divisão do conselho de administração da companhia após reunião em fevereiro em que seis membros votaram a favor da recondução de Bartolomeo, seis votaram a favor da abertura de um processo de sucessão e um se absteve.

A disputa envolve um dos cargos executivos mais bem remunerados do país. Segundo levantamento feito pelo especialista em governança corporativa Renato Chaves com base em números entregues à bolsa, Bartolomeo recebeu R$ 59,9 milhões em 2022.

Foi o maior salário entre as 31 empresas brasileiras com faturamento superior a R$ 30 bilhões naquele ano, superando os R$ 59,2 milhões pagos pelo Itaú a seu presidente.

Procurada, a Vale afirmou que não comentaria o assunto.

LEIA A ÍNTEGRA DA CARTA

“Prezado Presidente,

Encaminho-lhe minha renúncia ao mandato de membro independente do Conselho de Administração da VALE SA, para o qual fui eleito na Assembleia Geral de Acionistas da VALE, com mandato de Maio/2023 a Abril/2025.

Apesar de respeitar decisões colegiadas, em minha opinião o atual processo sucessório do CEO da Vale vem sendo conduzido de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política.

No conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse. O processo tem sido operado por frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro compromisso com a confidencialidade.

Não acredito mais na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale a padrão internacional de uma Corporation.

Neste contexto, minha atuação como Conselheiro Independente se torna totalmente ineficaz, desagradável e frustrante.

Por isto apresento minha renúncia.”

ALEXA SALOMÃO E NICOLA PAMPLONA / Folhapress

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