SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando os candidatos à Prefeitura de São Paulo dizem que a cidade vive um recorde de Orçamento, eles não exageram. Em 2024, foram R$ 111,8 bilhões e, em 2025, serão R$ 122,7 bilhões, segundo previsão do projeto de lei orçamentária enviado à Câmara Municipal.
Há exagero, entretanto, na percepção de que essa disponibilidade de recursos se reflete também em espaço fiscal para novos gastos correntes, aqueles que criam despesas de longo prazo, como salários, segurança, limpeza e manutenção.
É o chamado custeio, o que mantém a máquina pública de pé e onde os cortes tendem a ser mais difíceis.
O próximo prefeito de São Paulo ainda terá uma boa margem financeira para investimentos. Para 2025, estão previstos R$ 13 bilhões. O dinheiro em caixa também deverá se manter em patamar alto (o saldo bruto era de R$ 25,9 bilhões até agosto).
O que pode inviabilizar os planos de Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) é o ritmo de crescimento das despesas correntes, que vem sendo superior ao das receitas.
Em 2023, o custeio cresceu 9,09%, e as receitas, 4,84%. A projeção para 2024 é de um aumento de 0,98% nas receitas correntes, enquanto as despesas correntes subirão 3,10%.
Até agora, isso não tem sido um problema porque o município também vem registrando aumento nas receitas. “Mas em alguma momento essas duas linhas, da receita e da despesa corrente, vão se encontrar”, diz o secretário de Fazenda municipal, Luis Felipe Arellano.
“Neste momento de eleição, é fundamental enxergar essas propostas que aumentam despesas correntes para avaliar se são factíveis.”
Os planos de governo dos candidatos não detalham as fontes de custeio de seus projetos ou o impacto desses empreendimentos sobre as despesas correntes. Nunes, o atual prefeito, tem dito em debates e sabatinas que é possível construir uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) com R$ 10 milhões, mas que ela custa metade desse valor mensalmente.
É aí que mora o risco de parte das propostas ficarem pelo caminho.
Boulos afirma que seu plano de investimentos e custeio foi elaborado considerando a LDO e os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Sua campanha estima uma margem de R$ 41 bilhões para investimentos em quatro anos e outros R$ 10 bilhões que viriam por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e de novas operações de crédito.
O psolista também prevê aumentar receitas por meio de melhorias na cobrança da dívida ativa. Na frente das despesas, diz que haverá redução graças à “revisão de contratos e melhorias na gestão”.
Nunes diz que o Orçamento previsto para o próximo ano será suficiente para todos os compromissos assumidos por sua campanha.
Ele afirma que o projeto de lei orçamentária para 2025 prevê reajustes nas fatias para educação, segurança, mobilidade e também nos repasses ao Fundo Municipal de Saúde, ao Hospital do Servidor e à Secretaria da Pessoa com Deficiência.
Seu plano de governo, porém, traz promessas como a construção de três centros e 200 salas para atender pessoas no espectro autista, a implantação de pré-escola integral e a conclusão de cinco CEUs (Centros Educacionais Unificados).
Na mobilidade, prevê a implantação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e oito novos corredores de ônibus. O projeto do VLT não é novo. No fim de 2023, a gestão municipal calculou que ele custaria R$ 3,74 bilhões e seria parcialmente bancado pelo PAC.
É o caso também dos CEUs, que estão sendo construídos por meio de uma PPP (parceria público-privada) de R$ 1,5 bilhão.
Em nota, a campanha de Nunes diz também que o que não for gasto até o fim deste ano poderá entrar no Orçamento de 2025 na forma de superávit.
Para Gustavo Fernandes, pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da FGV (Fundação Getulio Vargas), “não faz sentido algum” uma prefeitura acumular saldo em caixa. “Há um problema de execução muito forte e não é tema de nenhum candidato.”
O Orçamento recorde citado pelos candidatos é, na avaliação do pesquisador, uma falsa sensação de bonança, pois decorre, na verdade, de anos de demanda reprimida em setores como saúde, educação e mobilidade.
Boulos e Nunes propõem, respectivamente, o Poupatempo da Saúde e o Paulistão da Saúde para lidar com a espera por consultas e exames.
“No fundo, você vai aumentar as despesas de capital, de investimento, mas qual é o custo de manutenção?”, questiona Fernandes.
Ele nota ainda que o aumento de receita se deve principalmente ao fato de a base de comparação anterior ser baixa.
Um dos elementos de pressão sobre as despesas correntes nos últimos anos é o congelamento da tarifa de ônibus, em R$ 4,40 há quatro anos, que fez aumentar o subsídio orçamentário ao transporte.
De janeiro a agosto deste ano, a SPTrans repassou R$ 4,4 bilhões ao sistema por “compensações tarifárias do sistema de ônibus”, o que inclui a tarifa zero, o congelamento e outras gratuidades por lei.
Esse montante tem crescido anualmente. Em 2023, foram R$ 5,4 bilhões e, no ano anterior, R$ 5,2 bilhões; em 2021, R$ 3,7 bilhões em valores atualizados pelos IPCA. A SPTrans diz que o subsídio é uma “política necessária para esses e outros benefícios como as gratuidades que, só em 2023, representaram 46% do valor total de subsídios”.
Na avaliação do pesquisador de políticas públicas para mobilidade Ciro Biderman, diretor do FGV Cidades, a campanha deste ano é um “pouco decepcionante” para a área e demonstra a perda de relevância do transporte coletivo nos planos de governo.
Biderman é um crítico das políticas de tarifa zero ”resolvem apenas os problemas das empresas, que estão em dificuldades”, pois aumentam o peso dos subsídios sobre o Orçamento.
A partir da implementação da tarifa zero aos domingos, no fim de 2023, a gestão Nunes passou a pagar R$ 10 milhões mensais a mais às empresas de ônibus em subsídios.
É necessário, diz ele, recuperar o número de passageiros transportados. Em 2019, o sistema paulistano movimentou 2,6 bilhões de passageiros. No ano seguinte, com a pandemia, caiu a 1,5 milhão. O número tem crescido e chegou a 2 milhões em 2023. De janeiro a setembro de 2024, foram 1,6 milhão.
“Em termos de sustentabilidade, o ganho de tirar gente do carro é brutal”, afirma. Uma pesquisa encomendada pela Rede Nossa São Paulo, feita pelo Ipec, mostrou que o tempo gasto no transporte público na cidade de São Paulo subiu dez minutos em um ano, chegando a 2 horas e 47 minutos por dia.
Arellano, da Fazenda, diz que o crescimento das despesas decorre das políticas públicas priorizadas pela atual gestão, como as contratações que permitiram aumentar as vagas em creches. Os pagamentos a organizações sociais para gestão dos centros de acolhida também cresceram a partir da pandemia.
“Outras coisas são importantes e não são contabilmente classificadas como investimentos, e a gente precisa de sensibilidade para entender que elas vão precisar ser custeadas”, afirma.
O secretário defende, no entanto, que haja “um olhar” para garantir que o crescimento de despesas e receitas não seja muito discrepante e, assim, evitar “eventualmente ter alguma descontinuidade de alguma política pública importante”.
RELAÇÃO ENTRE RECEITAS E DESPESA ESTÁ NO LIMITE
Quando o governo federal aprovou a transferência de recursos para estados e municípios na pandemia, a alteração constitucional criou também uma limitação de 95% para a relação entre despesas e receitas correntes.
Os entes passaram então a produzir relatórios bimestrais que consideram os 12 meses anteriores. Em São Paulo, essa relação tem ficado no limite.
Se essa linha for ultrapassada, uma das possíveis consequências é ter que abrir mão de receber garantias da União em operações de crédito. A cidade de São Paulo hoje tem boa situação financeira e conseguiria obter crédito, mas, segundo o secretário da Fazenda, a garantia da União favorece as operações e as tornas mais baratas, com juros menores.
“Isso é importante para a gente assegurar a sustentabilidade das políticas da cidade.”
A outra possibilidade é o acionamento de gatilhos que barrariam o aumento das despesas, como a proibição de contratações, de reajustes e todos os tipos de despesas correntes.
FERNANDA BRIGATTI / Folhapress