Solidão, preconceito e luta: tema do envelhecimento mexe com participantes da Parada LGBT+

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Ser trans é difícil em qualquer idade, imagina ser trans com artrite”, diz a autônoma Célia Matos, que daqui a dois dias vira sexagenária. Ao seu lado está seu noivo, Cláudio, 38, que dá uma gargalhada com a resposta da mulher por quem se apaixonou em 2020. Célia era moradora do prédio onde ele trabalhava como porteiro.

O tema da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo deste ano, “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro”, mexeu com todo mundo, dos mais jovens aos que já têm seus cabelos brancos, tingidos ou não de outras cores.

O seu Célia não pinta desde a pandemia da Covid-19. Decidiu assumir as madeixas grisalhas, que enfeitou com um arco de pelúcia com orelhas de coelho.

Até conhecer Cláudio, conta, a idade pesava. Ela foi literalmente chutada para fora de casa quando adolescente, por um pai “que me deu uma bicuda” após entender que a filha não era o filho homem que ele desejava.

Sempre teve vida social intensa. Até deixar de ser. Alguns amigos morreram com HIV. Com outros, perdeu contato. A solidão da transgênero idosa era um fantasma que a assombrava -sem ter tido filhos, e com uma família que a rejeitava, quem cuidaria dela na velhice?

Hoje está “feliz da vida” com o namorado, com quem planeja se casar no verão, porque quer um vestido tomara-que-caia, e o inverno não permite para esta senhora friorenta.

A drag Ditinha Silva concorda que o mote desta edição “é maravilhoso”. “Porque eu sou uma idosa, então é pra mim a Parada”. Tem 73 anos e um conselho para “as novinhas”: “Vai trabalhar, não vai para a esquina”.

Um discurso que se repetiu com frequência neste domingo (22), na avenida Paulista, ponto de partida do evento: se as novas gerações já podem andar com menos medo pelas ruas, deve um bocado à turma que veio antes.

“A gente se considera sobrevivente de tudo o que a gente já viveu”, afirma o designer Maurício Kiffer, 61.

Seu marido, o cozinheiro Itamar Kiffer, lembra que foi na Parada, uns 15 anos atrás, que o casal andou de mãos dadas em público de forma inédita.

“A gente é outra geração, tudo era gueto, ia em bar só pra gay. Foi a primeira vez que a gente teve coragem de se beijar na rua.”

Lilian Recacho, 59, e Regina Célia Aquino, 56, foram à Paulista com Benício, o neto de 1 ano. Elas são casadas há 25 anos e criaram juntas os quatro filhos de Recacho. “Eu tenho até um filho que é evangélico”, conta ela.

A mãe de Benício não foi porque está trabalhando. “Ela já curtiu muitas meninas e brinca que o filho foi a cura gay dela”, diz Recacho, que também reflete sobre o tema da vez. “Envelhecer é difícil para todo mundo, ainda mais sendo gay.”

José Helcimar de Freitas, 59, e José Martins Lopes Júnior, 51, usavam gorros de urso de pelúcia. Reconhecem-se como “ursos”, uma ala da comunidade gay

Freitas lembra que o etarismo, que é o preconceito com os mais velhos, atinge até mesmo os héteros. Se adicionar o fator LGBTQIA+, então, a hostilidade social pode vir em dobro.

Lopes Júnior diz achar importante “dar visibilidade aos gays que, ao envelhecer, precisam de políticas públicas, do olhar social”.

O mais velho do casal pontua que a causa não se restringe ao “G” de gays da sigla LGBT+. “Todas as letras, né?”

Perto dali, uma senhora trans pedia um abraço a quem passava. Perdeu o marido com quem foi casada por décadas, e esta era a primeira Parada sem ele.

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, LEONARDO FUHRMANN E PEDRO AFFONSO / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS