SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se o Brasil conseguir universalizar o saneamento básico, terá um ganho aproximado de R$ 42,5 bilhões por ano. O valor inclui a redução de gastos do SUS, aumento da produtividade dos trabalhadores, valorização imobiliária e o aquecimento de atividades turísticas. De quebra, haverá aumento de renda e de arrecadação de impostos graças às obras de saneamento. A estimativa é do Instituto Trata Brasil, uma Oscip (organização da sociedade civil de interesse público) formada por empresas para atuar no avanço do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país.
Pelos cálculos do Trata Brasil, feitos em 2022, para atingir a universalização até 2040, dentro do estabelecido pelo Marco Legal do Saneamento Básico, o país gastaria R$ 640 bilhões, recebendo de volta R$ 1,45 trilhão. Depois, a cada ano o custo de manutenção seria de pouco menos de R$ 24 bilhões, e o total de benefícios, R$ 66,4 bilhões.
“Resultados positivos, como a queda na mortalidade infantil, aparecem quando há expansão do sistema, quando são incluídas as pessoas que hoje não contam com o serviço de saneamento, em especial áreas rurais, periferias e municípios pequenos”, diz Léo Heller, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas), que entre 2014 e 2020 foi relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para o direito à água e ao esgotamento sanitário.
O problema, afirma, é que esse tipo de público não interessa a empresas privadas que venham a assumir a operação dos sistemas, e não é simples para agências reguladoras assegurar que a expansão ocorra.
“O saneamento tem de respeitar uma sequência lógica de prioridade. Em primeiro lugar vem o abastecimento de água: água potável a preço acessível para todos, o tempo todo”, destaca Wanderley da Silva Paganini, professor do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).
Para ele, em questão de saneamento não faz sentido falar em média, como a difundida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de economia de US$ 5,5 para cada US$ 1 investido em saneamento no mundo. Em situações precárias, segundo Paganini, esse ganho é muito maior. “Não dá para comparar o efeito de investir R$ 1 no Piauí, que tem 25% da população sem abastecimento de água, com investir esse mesmo real na avenida Paulista”, afirma o professor.
“Acesso à água não resolve todos os problemas, mas, sem ele, é impossível ter qualidade de vida, mesmo que se tomem outras providências.”
Afastar o esgoto das pessoas é a segunda intervenção mais eficaz para a saúde, de acordo com os especialistas, mesmo que por meio de fossa séptica. “É uma lenda dizer que não existe defecação a céu aberto no Brasil. Permitir às pessoas ter acesso a um banheiro faz muita diferença, não só em relação à pressão sobre o SUS, mas até na dignidade”, diz Heller.
Segundo o Censo de 2022, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1,2 milhão de pessoas vivem em casas sem banheiro próprio nem buraco para defecação. E 1 milhão de pessoas moram em residências que compartilham o banheiro com outras. Na região Norte, quase 10% dos domicílios não têm banheiro. “Acredito que o número oficial ainda seja subestimado”, afirma o pesquisador da Fiocruz.
As principais doenças ligadas à falta de acesso à água limpa e a banheiros são as que causam diarreia. Elas se espalham por transmissão feco-oral, ou seja, pela ingestão de água ou alimentos contaminados por fezes (são exemplos cólera, infecção por E. coli, viroses como infecção por rotavírus, adenovírus ou hepatite A e parasitoses como amebíase e giardíase) e pelo contato direto com água contaminada, caso da leptospirose e esquistossomose.
A dengue e outras condições transmitidas por insetos, como chikungunya, febre amarela e malária, também são relacionadas à falta de saneamento, porque os mosquitos se multiplicam em áreas empoçadas ou reservatórios improvisados. Há ainda as doenças relacionadas a dificuldades de higiene, como escabiose (sarna), pediculose (piolho) e conjuntivites.
Em 2022, houve mais de 190 mil internações hospitalares no país por todas essas doenças e 2.032 mortes. Heller ressalta, porém, que muitas dessas doenças, como as diarreias, tornam-se crônicas, e embora causem faltas no trabalho e na escola e prejudiquem muito a saúde, nem sempre levam a uma internação.
“Existe uma correlação direta também do saneamento com a escolaridade média. Com episódios sucessivos de diarreia, diminui o desempenho da criança. Isso se reflete até na nota do Enem”, diz Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Trata Brasil.
“São dois motivos para investir: reduzir o custo fixo no futuro, em saúde, e pelo ganho de produtividade. Imagine o quanto a economia vai ser movimentada lá na frente com essas crianças tendo uma ascensão social”, afirma Pretto.
O cálculo do Trata Brasil inclui também a economia decorrente da prevenção das doenças respiratórias, que têm sua transmissão reduzida com o acesso universal a água e sabão para higiene das mãos.
Para chegar ao montante de economia propiciada pelo investimento em saneamento, o instituto tomou por base o investimento real do país na área entre 2005 e 2019, a melhora no alcance da rede e os gastos em saúde no período. A partir dessa análise, fez a projeção para o período entre 2021 e 2040, considerando o cumprimento das metas do Marco Legal.
“Entre planejar e executar uma obra, leva pelo menos cinco anos, e aí já acabou o governo. Por isso saneamento tem de ser uma política de Estado. Mas os ganhos são perpétuos”, afirma a presidente do instituto. O estudo do Trata Brasil considera permanente o benefício econômico depois de 2040, se for alcançada a universalização. “Saneamento básico é a melhor forma de distribuir renda, de forma efetiva e perene”, diz Paganini.
Em termos de impacto na qualidade de vida e na percepção da população, os ganhos visíveis acabam chamando mais a atenção e aumentando a conscientização. “Frequentar o parque linear ao lado do rio Pinheiros, em São Paulo, poder tomar banho na praia de Botafogo, no Rio, ver barcos navegando no rio Sena na abertura das Olimpíadas de Paris educa as pessoas para a melhoria que é não ter esgoto na água”, afirma Gesner Oliveira, coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura da FGV (Fundação Getulio Vargas).
“São ações estruturantes, que mudam vidas. Não é só o rio Pinheiros que fica mais limpo e bonito. Os córregos que levam a ele deixam de ter mau cheiro na porta da casa das pessoas das comunidades, e elas conseguem sentir o aroma da comida que estão cozinhando”, diz Oliveira, que também participa do estudo do Trata Brasil.
FERNANDA RAVAGNANI / Folhapress