BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Criadas há 30 anos, a cota para estímulo da participação das mulheres na política foi desrespeitada por todas as legendas, inclusive pelo autointitulado Partido da Mulher Brasileira, mostram os mais recentes acórdãos e decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre as contas partidárias.
Apesar disso, o Congresso Nacional prepara uma medida no sentido de fragilizar ainda mais a regra.
Com o apoio de governo e oposição, nesta terça-feira (16) deve ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a Proposta de Emenda à Constituição 9/2023, que anistia todos os partidos que não cumpriram as cotas de gênero e de raça até agora, além de livrá-los por irregularidades nas contas anuais.
O Congresso já havia perdoado em 2022 os partidos pelo descumprimento da cota de gênero em eleições e em exercícios anuais anteriores, o que impediu o TSE de determinar a devolução de dezenas de milhões de reais aos cofres públicos.
Julgamentos concluídos neste mês das contas partidárias de 2017 (a falta de estrutura da Justiça Eleitoral leva a atrasos de quase cinco anos nessas análises) mostram que todos os 35 partidos existentes à época (hoje são 31) não comprovaram a aplicação do mínimo estabelecido em lei na promoção de atividades que estimulem a participação da mulher na política.
O Partido Novo não entra nessa conta porque não usou verba do Fundo Partidário naquele ano (só recentemente o partido mudou de posição e aprovou a utilização de dinheiro público).
Com as mãos amarradas pela anistia aprovada pelo Congresso em 2022, o TSE se limitou, nesses casos, a determinar o direcionamento da verba não aplicada para as contas bancárias partidárias específicas destinadas às ações afirmativas.
O caso do PMB (Partido da Mulher Brasileira) é sintomático.
Nascido em 2015, o partido se notabilizou de cara não pela defesa da mulher, mas por abrigar em suas fileiras 24 parlamentares, sendo 22 homens, que aproveitaram a criação da sigla para deixar seus antigos partidos sem o risco de perder o mandato por infidelidade.
Aberta uma janela de troca-troca em 2016, praticamente todos saíram do PMB, que atualmente não tem nenhum representante no Congresso.
Nas eleições, os partidos políticos devem repassar verbas de campanha às candidatas em um percentual proporcional ao número que lançar, nunca sendo inferior a 30%.
Na reta final das eleições municipais de 2020, o PMB até despontava como o partido que mais direcionou verba para as candidaturas femininas, mas apenas graças ao repasse para a candidatura da própria fundadora e presidente da sigla, Suêd Haidar, que disputou a Prefeitura do Rio e foi destinatária de um quarto de toda a verba nacional do partido, R$ 320 mil.
Suêd teve apenas 3.833 votos, 0,15% dos válidos, e ficou na antepenúltima posição. Suêd também direcionou a si própria cerca de 30% do Fundo Eleitoral na campanha de 2022, quando disputou o Senado pelo Rio de Janeiro. Ela ficou em nono, novamente com 0,15% dos votos válidos.
Além da cota eleitoral, há uma cota de gênero no manejo do Fundo Partidário, que é o dinheiro destinado todo ano para o custeio do dia a dia das legendas.
A lei nº 9.096/1995 estabelece a aplicação de, no mínimo, 5% dos recursos do fundo na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.
No julgamento de suas contas relativas a 2017, o PMB não conseguiu comprovar a utilização de nem um único centavo na promoção dessa participação, irregularidade que se somou a outras para a desaprovação de suas contas.
O partido apenas transferiu recursos da conta do Fundo Partidário para a conta do Programa da Mulher, mas não comprovou a aplicação correta dos recursos.
“A agremiação não acostou aos autos elementos mínimos para demonstrar a efetiva execução dos referidos programas”, afirmou o Ministério Público em seu parecer.
Procurada, Suêd não se manifestou.
Assim como nas contas partidárias, praticamente todos os partidos não cumpriram as cotas eleitorais de gênero e raça (a destinação de verba de campanha proporcional ao número de candidatos).
Em quase 40 anos de redemocratização no Brasil, a cúpula da República contou com 66 homens e só 4 mulheres -uma proporção de 16,5 para 1- e continua até hoje comandada majoritariamente por representantes do sexo masculino.
A cúpula dos partidos também é composta majoritariamente por homens, o que ajuda a atravancar avanços, muitos deles ocorridos graças ao Judiciário.
Em março de 2018, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu a distribuição proporcional de recursos eleitorais para as candidaturas femininas.
Na recém concluída análise da prestação de contas de 2017 dos partidos, o Tribunal Superior Eleitoral ordenou a devolução aos cofres públicos de R$ 40 milhões, valor ainda a ser corrigido. O cumprimento dessas condenações, porém, corre o risco de não ocorrer devido à PEC da Anistia.
O extinto Pros (que foi incorporado ao Solidariedade), por exemplo, usou o dinheiro para gastos como a compra de quase quatro toneladas de carne e aquisição de avião, além da suspeita de ter bancado a construção de piscina na casa do presidente da legenda.
RANIER BRAGON / Folhapress