A partir de hoje, não é mais possível utilizar a expressão “legítima defesa da honra” em julgamentos de agressão às mulheres e feminicídios no tribunal de júri, ou até mesmo na fase de investigação dos crimes.
Com isso, acusados não poderão ser absolvidos usando o argumento como base. Se autoridades ou réus insistirem em usar a tese, terão o ato ou o julgamento anulados.
A tese da “legítima defesa da honra” é uma alegação que vinha sendo utilizada em julgamentos de casos que envolviam crimes contra mulheres, durante o tribunal do júri.
A expressão vinha como uma justificativa, sem base na lei, pela motivação ou contextualização do crime. No limite, essa tese poderia ser usada até para inocentar o assassino.
Segundo a tese, a morte serviria para “lavar” uma suposta honra masculina ferida, como em uma traição da mulher, por exemplo.
“Foi um avanço muito importante, mas muito demorado.” A afirmação é da advogada e especialista em violência contra a mulher, Sueli Amoedo, em entrevista à rádio Novabrasil.
Sueli Amoedo também avalia que o uso do termo “legitima defesa da honra” é um reflexo pela falta de mulheres no tribunal de júri por muito tempo: “A união do patriarcado é muito ruim para as mulheres e dificulta muito os nossos avanços em políticas públicas. Essa tese, por exemplo, só caiu agora. Políticas públicas para as mulheres caminham de uma forma muito lenta.”
A advogada ressalta que é importante que haja mais mulheres nos tribunais para que diminua a misoginia nesses espaços e, consequentemente, menos injustiças nas decisões.
A ação contra o argumento foi apresentada pelo PDT em janeiro de 2021 ao Supremo Tribunal Federal. No mesmo ano, o relator, ministro Dias Toffoli, suspendeu por liminar o uso da legitima defesa da honra em julgamentos.
A discussão voltou ao plenário da corte em julho de 2023. O relator diz que o termo fere a dignidade humana, é cruel e totalmente discriminatória contra a mulher.
Outros parlamentares também se manifestaram sobre o assunto. A presidente do STF, Rosa Weber, por exemplo, também expressou um voto contundente: “Não há espaço no contexto de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para a restauração de costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso por causa de uma ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina“.
O tema ganhou o debate público lá em 1976, quando a socialite Ângela Diniz foi assassinada pelo então marido, Raul Fernando Doca, no Rio de Janeiro. Na ocasião, ele matou Ângela com quatro tiros. O assassino passou uma semana foragido, quando se entregou. Durante o julgamento, ele alegou que agiu em legítima defesa da honra. Foi condenado a dois anos, mas como já tinha passado um tempo preso, saiu livre do tribunal, causando revolta na população.