‘Santino’, de Cao Guimarães, vê homem roseano unido à natureza

(FOLHAPRESS) – Se um bom documentário começa, com frequência, com um bom personagem, a primeira impressão que “Santino” deixa não é das melhores. Pois esse homem postado diante de algo que poderia ser um cemitério começa por enunciar teorias não raro delirantes sobre os mundos dos vivos e dos mortos.

No meio delas, enquanto discorre sobre as imperfeições do humano, solta coisas inesperadas, como: “O vento bate forte quando morre um advogado, para levar para longe a sua alma”.

O que será isso? Não dá para saber se é contra ou a favor dos advogados? Não importa. Importa apenas o prazer de estar diante de uma enunciação plena de mistério.

Santino tem um lado pregador um tanto chato. Mas aos poucos revela-se sobretudo um homem da natureza. De certa natureza: o cerrado da região norte de Minas Gerais, de água parca e preciosa.

Ele conhece os segredos das veredas e do que fazer para os veredeiros sobreviverem, pode discorrer sobre a flora e a fauna locais (inclusive para grupos de estudantes que o visitam e que mal conseguem ficar em pé nessas paragens em que Santino caminha com a maior desenvoltura).

Mais uma surpresa. Natureza e mística a rigor formam um todo na mitologia desse personagem singular, que acredita se comunicar com os animais. Talvez seja exagero, mas ele os compreende, porque entende e ama a natureza do lugar onde vive. Numa região afastada dos recursos da medicina tradicional, ele busca nas plantas o seu remédio. Uma delas, a água santa, tem poder cicatrizante.

Santino vive em comunhão com o que chama de mundo desconhecido, onde suas múltiplas faces vão se revelando. A de inventor, por exemplo. Certa mediunidade, também. Vez por outra irrompe no vocabulário, não sem surpresa para o espectador, uma dessas palavras que a mídia emprega com frequência.

Isso tem seu encanto, mas ele seria muito menor, não fosse a maneira como Cao Guimarães inclui o homem na natureza, de tal modo que parecem uma coisa só. Mas ei-lo de novo em palavras: a perdiz, sustenta, é uma ave cujo nome não pode ser pronunciado. “Ela é encantada; ela some”.

O encanto dessa intimidade com a natureza é quebrado em dado momento, quando a mulher de Santino corta curto essas elucubrações em que o mundo mágico de Santino se manifesta: “Eu é que não vou acreditar no seu espírito, não”, diz. Seus remédios não a convencem. Confia mais no posto de saúde para cuidar das duas filhas.

Depois, Santino aparece na cidade. Bonito, norte de Minas Gerais. Cidadezinha, mas cidade. Vai comprar equipamentos de eletricidade para seu sítio.

Terá sido a melhor solução? Tirar Santino do campo com certeza rompe o encanto de um universo quase roseano aonde o filme nos projeta. Ao mesmo tempo tem a honestidade necessária ao trabalho documentário: não se trata de um homem inteiramente isolado do mundo em que vivemos, partilha conosco, por exemplo, os noticiários da TV, a tecnologia dos painéis solares etc.

Essa solução acrescenta talvez outro mistério ao universo de Santino: o do encontro da natureza com a tecnologia no sertão.

SANTINO

Quando No É Tudo Verdade. SP: qui. (20), às 20h30, no Cine Marquise; e sex. (21), às 19h, na Cinemateca Brasileira; RJ: qua. (19), às 20h, no Estação NET Botafogo, e qui. (20), às 18h, no Estação NET Rio

Avaliação Muito bom

Classificação Livre

Produção Brasil, 2022

Direção Cao Guimarães

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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