Será que foram as músicas que criaram as expressões brasileiras populares? Ou foram as expressões brasileiras que inspiraram as músicas? Talvez as duas coisas. A relação entre a língua falada e a canção brasileira sempre foi de mão dupla: a música bebe do cotidiano, mas também devolve às ruas palavras novas, frases inteiras, modos de dizer que ganham vida fora dos discos.
E o mais bonito é ver quando esse encontro é tão certeiro que a gente já nem sabe mais de onde veio: só sabe que escuta, que fala, que usa e que sente.
A história da música popular brasileira está cheia desses momentos. Canções que, mais do que sucessos de rádio, viraram jeitos de viver. Versos que se transformaram em máximas. Frases que a gente repete sem lembrar que um dia foram parte de uma melodia.
Hoje, reunimos dez expressões que nasceram – ou se eternizaram – em grandes canções brasileiras. E que até hoje seguem vivas na boca do povo, no nosso imaginário e na nossa cultura.
1 – “Deixa a vida me levar”
Zeca Pagodinho não só gravou um dos maiores hinos do samba dos anos 2000, como também entregou ao Brasil um jeito de viver. Lançada em 2002, a música composta por Eri do Cais e Serginho Meriti foi eternizada por Zeca e virou sinônimo de leveza, de quem prefere não brigar com o destino.
A frase “Deixa a vida me levar” saiu do refrão e ganhou as conversas de bar, os perfis nas redes sociais e o vocabulário de quem, acima de tudo, acredita que se vive um dia de cada vez e o que tiver que ser, será!
2 – “Deixa chover”
Também nos anos 1980, Guilherme Arantes ensinou que nem toda tempestade assusta. Em “Deixa Chover”, composta por ele e lançada em 1981, a chuva não é castigo, é passagem. É renovação. A expressão virou uma espécie de mantra de aceitação: diante do que não se pode controlar, o melhor mesmo é deixar chover. E confiar que o sol volta.
3 – “O show tem que continuar”
Imortalizada pelo grupo de samba Fundo de Quintal, em 1988 – em um álbum do mesmo nome da música – e assinada por Arlindo Cruz, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila, essa canção nasceu como lamento, mas cresceu como resistência.
A frase que dá título à música virou símbolo de resiliência: de quem, mesmo ferido, levanta a cabeça e segue em frente. Hoje, está na boca de quem enfrenta perdas, de quem segura as pontas e de quem sabe que parar não é opção.
4 – “E que tudo mais vá pro inferno”
Roberto Carlos cantou o desespero romântico como poucos. Em 1965, com a parceria de seu amigo Erasmo Carlos, lançou a música “Quero que vá tudo pro inferno”, entregando à língua portuguesa uma das expressões mais catárticas do cancioneiro nacional: “E que tudo mais vá pro inferno!”.
De lá pra cá, a frase virou desabafo, desaforo e alívio. É exagerada e dramática e – por isso mesmo – é tão brasileira!
5 – “Eu não sou cachorro, não”
Em 1972, Waldick Soriano soltou a voz ferida de um homem humilhado. A música virou clássico da sofrência antes mesmo do termo existir – e a frase do título passou a ser usada como um protesto contra qualquer tipo de desrespeito.
“Eu não sou cachorro, não” virou sinônimo de dignidade, especialmente entre o povo brasileiro das camadas mais pobres, vulneráveis e oprimidas, onde a canção foi abraçada como um grito coletivo.
6 – “O tempo não para”
Nos anos 1980, Cazuza cantou urgência, contradição e desencanto com a precisão de quem viveu tudo intensamente. Na música “O Tempo Não Pára”, que deu nome ao penúltimo álbum do poeta em vida, em 1988, ele transformou o óbvio em poesia e a frase em filosofia de vida.
Composta em parceria com o cantor, compositor e baixista carioca Arnaldo Brandão, a canção é um protesto sobre sua própria vida e o mundo ao seu redor. Um mundo que não espera ninguém.
A frase “o tempo não pára” caiu na boca do povo e é usada para falar sobre a urgência do tempo que nos engole e sobre a gente não ter controle sobre a vida que corre. Contamos a história em detalhes de “O Tempo não Pára” em uma matéria especial. Confira!
7 – “Meu mundo caiu”
Antes de todo esse repertório pop de sofrência que existe na música brasileira, a cantora e compositora Maysa já tinha dito tudo. Em 1958, com sua voz grave e interpretação sofrida, ela lançou “Meu Mundo Caiu” — uma das representantes mais emblemáticas da chamada “música de fossa”.
A expressão, que antes era só uma imagem, virou sinônimo de grande decepção. Quando algo desmorona por dentro, não há frase mais justa: “Meu mundo caiu!”.
8 – “Amanhã vai ser outro dia”
A fortíssima frase “Amanhã vai ser outro dia” está no fim de “Apesar de Você”, uma das músicas mais importantes de Chico Buarque. O artista genial a compôs em 1970 como protesto velado contra a Ditadura Militar, que oprimia o Brasil daquela época.
Driblando a censura, o cantor e compositor carioca até conseguiu – por pouco tempo – fazer com que acreditassem que a canção era para uma mulher, sobre um relacionamento amoroso que não estava indo muito bem. O que poderia mesmo ser verdade!
Afinal, o verso “Amanhã vai ser outro dia” pode se aplicar em diversas situações difíceis e virou símbolo de esperança, de resistência e de fé em dias melhores, sejam eles por que motivo for.
Uma frase que até hoje aparece em cartazes, protestos e legendas a favor da democracia e contra dias duros e momentos de injustiça e opressão.
Conheça a história da música “Apesar de Você” em detalhes.
9 – “São as águas de março fechando o verão”
Tom Jobim escreveu um dos maiores clássicos da música brasileira em 1972, inspirado na chuva que encerra a estação, quando passava um tempo em seu sítio, na região serrana do Rio de Janeiro, onde estava construindo uma casa depois de viver um momento de depressão.
Dois anos depois, ele gravou a versão mais conhecida da música, em um dueto de gigantes, ao lado de Elis Regina, no antológico disco “Elis & Tom”.
A imagem poética virou expressão cotidiana: “as águas de março fechando o verão” são até hoje um jeito de marcar o fim de um ciclo, de resumir aquele tempo de chuvas que antecede o outono. A frase faz parte da memória coletiva e habita o imaginário popular uma vez a cada ano, quando as chuvas fortes encerram o período de calor intenso no Brasil.
Aqui, você confere uma matéria especial sobre a canção “Águas de Março”.
10 – “Você abusou”
Composta por Antonio Carlos & Jocafi em 1971, a canção “Você Abusou” foi um sucesso imediato e logo se transformou em uma das expressões mais ditas de forma leve – e firme -na língua portuguesa do Brasil. “Você abusou” virou um jeito de chamar atenção de alguém que passou dos limites. É bronca, mas é com balanço brasileiro!
11 – “É preciso chuva para florir”
Verso marcante de “Tocando em Frente” – canção de Almir SatereRenato Teixeira, lançada em 1990 por Maria Bethânia, um dos maiores clássicos da MPB – essa frase ecoa como filosofia de vida: para que algo floresça, é preciso passar pelas tormentas. Virou quase um provérbio moderno.
12 – “Ando devagar porque já tive pressa”
Do mesmo clássico sertanejo de raiz, “Tocando em Frente”, esse verso ganhou status de sabedoria popular. Hoje é usado para falar de maturidade, calma e aprendizado com a vida.
Conheça a história da música “Tocando em Frente”.
Essas dez expressões nasceram em contextos diferentes, décadas diferentes, gêneros diferentes. Mas todas atravessaram o tempo e romperam o limite da canção. Hoje, já não pertencem apenas aos discos: pertencem ao idioma. Estão nos ditos populares, nos memes, nos desabafos, nos conselhos e até nas placas de loja.
Talvez nunca saibamos ao certo se a música imitou a vida ou se a vida aprendeu com a música. O que sabemos é que, no Brasil, quando a gente quer dizer alguma coisa muito sentida – seja dor, esperança, raiva ou leveza – é quase certo que vai sair em forma de canção popular!
