A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ao aceitar a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete acusados de tentativa de golpe de Estado, gerou dúvidas entre muitos brasileiros. Afinal, é possível punir um crime tentado como se fosse consumado?
Para explicar esse tema complexo, o Jornal Novabrasil convidou o professor e advogado Ricardo Yamin, doutor em Direito pela PUC-SP. Segundo ele, o ministro Luiz Fux questionou exatamente essa possibilidade ao divergir parcialmente do relator no julgamento.
O que é considerado crime consumado ou tentado?
Yamin esclarece que, de forma clássica, o Direito Penal entende que um crime é composto por etapas. “Todo crime tem cogitação, ato preparatório, ato executório e, por fim, a consumação”, explicou.
No entanto, ele destacou que o crime de tentativa de golpe de Estado é um caso à parte. “Se consumado, o Estado democrático seria abolido. E quem deu o golpe não se puniria. Por isso, punir a tentativa faz sentido nesse contexto”, afirmou.
Essa lógica é diferente, por exemplo, de crimes comuns. “Se alguém tenta assaltar um banco e não consegue, a punição existe, mas é menor. A pena cheia exige consumação”, completou.
Por que o golpe é tratado de forma especial?
Esse tipo penal está descrito em uma lei específica, que considera a tentativa de golpe de Estado como o crime em si. Segundo Yamin, isso se justifica pelo impacto estrutural que tal ato representa.
“Não se trata de um crime qualquer. Uma tentativa de abolir o regime democrático exige resposta firme do sistema jurídico”, afirmou. Por isso, mesmo a tentativa já configura um ataque direto aos pilares da Constituição.
Ele reforça que, nesse caso, o STF atua de forma preventiva. “A consumação de um golpe inviabilizaria a responsabilização dos envolvidos. O crime, se completo, apagaria o próprio Estado de Direito”, disse.
O julgamento já está decidido?
Durante o julgamento, muitos cidadãos tiveram a sensação de que os ministros já haviam formado suas sentenças. No entanto, Yamin esclarece que isso não ocorre dessa forma.
“O Supremo ainda está na fase de recebimento da denúncia. Isso exige analisar se há indícios mínimos de materialidade e autoria”, explicou. Por isso, é natural que os ministros se aproximem do mérito, mas sem antecipar condenações.
Ainda haverá produção de provas, oitiva de testemunhas e escuta dos réus. “A decisão final deve vir após essa instrução processual. A sociedade pode confiar que o julgamento seguirá o rito democrático”, afirmou.