Entenda a polêmica musical entre Wilson Batista e Noel Rosa

Você conhece a polêmica treta musical entre Wilson Batista e Noel Rosa?

Noel Rosa é um dos maiores nomes da história da música popular brasileira de todos os tempos e – ele – nós temos quase certeza que vocês conhecem! Se não conhecem, por favor, precisam conhecer.

E, assistir ao Arquivo Novabrasil especial Noel Rosa, um programa original Novabrasil que traz a vida e a obra de grandes nomes da nossa música, é uma ótima forma de saber tudo sobre o sambista!

Agora, você conhece Wilson Batista? O compositor brasileiro – nascido em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, no dia 03 de julho de 1913, é autor de mais de 550 sambas e considerado um dos mais influentes artistas do gênero.

E também é conhecido por sua polêmica treta com Noel Rosa, que rendeu ótimos sambas para o cancioneiro popular brasileiro. Hoje, nós vamos conhecer essa história!

Sobre Wilson Batista

Filho de um guarda municipal, Wilson Batista participou – ainda criança – tocando triângulo, da “Lira de Apolo”, banda organizada por seu tio, o maestro Ovídio Batista. Ainda na sua cidade natal, fez parte do também do “Bando”, para o qual compunha algumas músicas.

No final da década de 1920, mudou-se com a família para a capital do Rio de Janeiro e passou a frequentar os cabarés da Lapa e o “Bar Esquina do Pecado”, na Praça Tiradentes, pontos de encontro de compositores, tornando-se amigo dos irmãos Meira, malandros famosos da época, cuja amizade lhe valeu várias prisões. 

Com 16 anos, Batista fez seu primeiro samba – “Na Estrada da Vida”, lançado por Aracy Cortes, no Teatro Recreio (onde Wilson trabalhava como ajudante de contrarregra) e gravado em 1933 pelo cantor Luís Barbosa

Mas acredita-se que sua primeira parceria tenha sido com o compositor José Barbosa da Silva, o Sinhô, no samba de breque “Mil e Uma Trapalhadas”, cuja gravação aconteceu apenas na década de 60, pelo cantor Moreira da Silva. 

Seu primeiro samba gravado foi “Por Favor, Vai Embora” (parceria com Benedito Lacerda e Osvaldo Silva), na voz de Patrício Teixeira, em 1932. A partir de então, Wilson Batista passou a fazer parte da Orquestra de Romeu Malagueta, como crooner e ritmista (tocava pandeiro). 

Em 1933, Almirante gravou sua batucada “Barulho no Beco” (com Osvaldo Silva) e três intérpretes – Francisco Alves, Castro Barbosa e Murilo Caldas – divulgaram seu samba “Desacato” (em parceria com Paulo Vieira e Murilo Caldas), que fez muito sucesso. 

Foi neste ano que a polêmica com Noel Rosa – que na verdade é um rico duelo musical – começou.

O cantor e compositor Wilson Batista: um dos grandes sambistas da história | Imagem: Reprodução

Wilson Batista e Noel Rosa: entenda a treta musical

Wilson Batista e Noel Rosa sempre frequentaram o mesmo ambiente de música e boemia no Rio de Janeiro: do teatro musicado da Praça Tiradentes às noites boêmias da Lapa. 

Noel Rosa já era um nome muito famoso na música, desde o lançamento do seu samba “Com Que Roupa”, em 1929, quando Batista compôs – em 1933 – um samba que fazia apologia à figura do malandro, tão cantada por Noel em seus sambas.

A música “Lenço no Pescoço”, foi lançada por Sílvio Caldas, que deu início à famosa polêmica, pois Noel Rosa, o qual respondeu no mesmo ano com Rapaz folgado, contestando a identificação do sambista com o malandro. 

Antes disso, ironicamente, uma das gravações do samba “Desacato“, de Batista, tinha sido lançada no Lado B de um compacto de 78 RPM, que tinha uma composição famosa de Noel no Lado A: “Feitio de Oração”. E Noel – já consagrado – já havia notado que Wilson Batista tinha chegado para ficar e conquistar o seu espaço, com seu talento musical e para composição.

A polêmica e o duelo musical entre os dois começou exatamente quando Wilson Batista compôs “Lenço no Pescoço”, exaltando a figura do malandro. A música chegou a ser censurada na época, pois havia um movimento da Confederação Brasileira de Radiodifusão – criada por empresários para defender os interesses das emissoras de rádio – que designou uma comissão de censura com poderes para vetar qualquer música “em nome da moralidade e do respeito às autoridades constituídas”.

Meu chapéu do lado

Tamanco arrastando

Lenço no pescoço

Navalha no bolso

Eu passo gingando

Provoco e desafio

Eu tenho orgulho

Em ser tão vadio

Sei que eles falam

Deste meu proceder

Eu vejo quem trabalha

Andar no miserê

Eu sou vadio

Porque tive inclinação

Eu me lembro, era criança

Tirava samba-canção

Comigo não

Eu quero ver quem tem razão”

Noel Rosa, que tantas vezes já havia composto sobre o malandro em suas canções, não tinha nenhuma razão musical para implicar com Wilson Batista por conta disso. O que se conta é que – na verdade – a implicância de Noel com Wilson começou (e vice-e-versa, a de Wilson com Noel!) por conta de uma moça que dançava no Dancing Apollo, na Lapa, por quem os dois estavam encantados.

Quem conseguiu ficar com a moça foi Wilson Batista, fazendo com que Noel, implicasse com o colega de profissão, que começava a se destacar também no samba. O Poeta da Vila – como Noel Rosa era conhecido por ter nascido e crescido no bairro de Vila isabel, no Rio de Janeiro – escreveu então o samba “Rapaz Folgado” – gravado por Aracy de Almeida, só em 1938 – como fazendo uma crítica a “Lenço no Pescoço”, para provocar Batista:

Deixa de arrastar o teu tamanco
Pois tamanco nunca foi sandália
E tira do pescoço o lenço branco
Compra sapato e gravata
Joga fora esta navalha que te atrapalha

Com chapéu do lado deste rata
Da polícia quero que escapes
Fazendo um samba-canção
Já te dei papel e lápis
Arranja um amor e um violão

Malandro é palavra derrotista
Que só serve pra tirar
Todo o valor do sambista
Proponho ao povo civilizado
Não te chamar de malandro
E sim de rapaz folgado”

Pouco depois, a réplica de Wilson a Noel veio no samba “Mocinho da Vila”, em que faz piada com o apelido de Noel, Poeta da Vila

Você que é mocinho da Vila
Fala muito em violão, barracão e outros fricotes mais
Se não quiser perder o nome
Cuide do seu microfone e deixe
Quem é malandro em paz

Injusto é seu comentário
Falar de malandro quem é otário
Mas malandro não se faz
Eu de lenço no pescoço
Desacato e também tenho o meu cartaz
E modéstia à parte sou rapaz”

A criação de Wilson foi ignorada por Noel, que continuou a escrever sambas sem relação com a rusga entre eles: um desses sambas foi o famoso “Feitiço da Vila”, em parceria com Vadico, cuja versão original foi gravada por João Petra de Barros, em 1934:

Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz cantar os galos no arvoredo
E faz a Lua nascer mais cedo

Lá em Vila Isabel, quem é bacharel
Não tem medo de bamba
São Paulo dá café, Minas dá leite
E a Vila Isabel dá samba

A vila tem um feitiço
Sem farofa, sem vela e sem vintém
Que nos faz bem

Tendo nome de princesa
Transformou o samba num feitiço decente
Que prende a gente

O Sol da Vila é triste
Samba não assiste
Porque a gente implora
Sol, pelo amor de Deus, não vem agora
Que as morenas vão logo embora

Eu sei por onde passo
Sei tudo o que faço
Paixão não me aniquila
Mas, tenho que dizer, modéstia à parte
Meus senhores, eu sou da Vila!

A vila tem um feitiço
Sem farofa, sem vela e sem vintém
Que nos faz bem
Tendo nome de princesa
Transformou o samba num feitiço decente
Que prende a gente”

Acontece que no “Programa Casé” – primeiro programa de rádio comercial do Brasil, criado e apresentado por Ademar CaséNoel improvisou (sem nunca gravar) duas novas estrofes para o “Feitiço da Vila”:

Quem nasce pra sambar

Chora pra mamar

Em ritmo de samba.

Eu já saí de casa olhando a lua

E até hoje estou na rua.

A zona mais tranquila

É a nossa Vila

O berço dos folgados;

Não há um cadeado no portão

Porque na Vila não há ladrão”

Nesse momento, Wilson Batista viu uma oportunidade de entrar novamente em ação. Desde que “Mocinho da Vila” foi ignorada por Noel Rosa, Batista estava fora de cena, mas ele ainda queria aproveitar a oportunidade da polêmica com Noel (que estava muito em evidência) para se tornar mais conhecido no meio musical.

Wilson não perdeu tempo e escreveu “Conversa Fiada” em resposta a “Feitiço da Vila”:

“É conversa fiada 

Dizerem que o samba na Vila tem feitiço

Eu fui ver para crer e não vi nada disso

A Vila é tranqüila porém eu vos digo: cuidado!

Antes de irem dormir deem duas voltas no cadeado

Eu fui à Vila ver o arvoredo se mexer 

E conhecer o berço dos folgados

A lua essa noite demorou tanto

Assassinaram o samba

Veio daí o meu pranto

Aí sim, Noel entrou em cena de novo e compôs, em 1935, o clássico samba “Palpite Infeliz”, em nova resposta a Wilson Batista, gravado por Aracy de Almeida em 1935:

Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila Não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também

Fazer poema lá na Vila é um brinquedo
Ao som do samba dança até o arvoredo
Eu já chamei você pra ver
Você não viu porque não quis
Quem é você que não sabe o que diz?

A Vila é uma cidade independente
Que tira samba mas não quer tirar patente
Pra que ligar a quem não sabe
Aonde tem o seu nariz?
Quem é você que não sabe o que diz?”

Em seguida, veio aquela que viria ser a última espinafrada entre os dois (ou penúltima, porque da próxima, nasceu uma parceria): “Frankenstein da Vila”, composta por Wilson Batista (aqui, de forma preconceituosa e hoje considerada capacitista) para zombar de uma questão física que Noel tinha desde o seu nascimento.

Por conta de um parto complicado, ele nasceu com uma com hipoplasia mandibular, ou seja, teve o desenvolvimento da sua mandíbula limitado, o que lhe marcou as feições por toda a vida e destacou sua fisionomia, bastante particular. Essa marca, na época da escola, lhe rendeu o apelido de “Queixinho”.

Em “Frankenstein da Vila”, Batista fala sobre essa característica de Noel Rosa:

Boa impressão nunca se tem

Quando se encontra um certo alguém

Que até parece um Frankenstein

Mas como diz o rifão: por uma cara feia perde-se um bom coração

Entre os feios és o primeiro da fila

Todos reconhecem lá na Vila

Essa indireta é contigo

E depois não vá dizer

Que eu não sei o que digo

Sou teu amigo”

Muitos dizem que Noel não se deixou abalar com a canção, já outros dizem que o Poeta da Vila ficou incomodado, com razão, mas não compôs nenhuma resposta. O fato é que, o talento musical de Wilson Batista começava a ser notado, inclusive por seu rival.

Certo dia, em 1936, Batista – que insistia no duelo musical com aquele que, na verdade, reverenciava – cantou mais uma de suas composições provocadoras, diretamente para Noel Rosa na mesa de um café no centro da cidade: a música chamava-se “Terra de Cego”.

Perde a mania de bamba

Todos sabem qual é

O teu diploma no samba.

És o abafa da Vila, eu bem sei,

Mas na terra de cego

Quem tem um olho é rei.

Pra não terminar a discussão

Não deves apelar

Para um barulho na mão.

Em versos podes bem desabafar

Pois não fica bonito

Um bacharel brigar

Noel gostou da melodia, mas pediu para trocar a letra no próprio local. Wilson Batista topou e assim deu-se a única parceria entre os dois talentosos compositores, para nosso azar, pois dali sairiam – com certeza – mais inúmeras preciosidades para a nossa música.

A música passou a se chamar “Deixa de ser Convencida”, com letra de Noel escrita sobre a melodia composta por Wilson, pondo fim à polêmica e selando a paz no duelo entre os dois. Nela, eles falam sobre os motivos do início da briga: a bela moça do Dancing Apollo, que já era página virada na vida de ambos:

Deixa de ser convencida
Todos sabem qual é
Teu velho modo de vida

És uma perfeita artista, eu bem sei
Também fui do trapézio
Até salto mortal
No arame eu já dei

E no picadeiro desta vida
Serei o domador
Serás a fera abatida

Conheço muito bem acrobacia
Por isso não faço fé
Em amor, em amor de parceria
(Muita medalha eu ganhei!)”

Os dois compositores – que se atacaram mutuamente em sambas agressivos e bem-humorados – renderam bons frutos para a música brasileira.

Wilson tornou-se enfim conhecido e não foi só por causa da rixa entre os dois: ele tinha muito talento, como o próprio Noel reconheceu. Na verdade, a polêmica na obra dele é apenas um detalhe, assim como na de Noel Rosa.

Infelizmente, o Poeta da Vila faleceu em maio de 1937, com apenas 29 anos, por conta de uma tuberculose. A Wilson Batista ficou o respeito e grande admiração.

Quando soube da morte de Noel, ele estava fazendo uma turnê de dois anos fora do Rio de Janeiro – primeiro em Buenos Aires e depois em São Paulo – com a sua dupla vocal “Verde e Amarelo”, que formou com o amigo Erasmo Silva e com quem viajava cantando com a orquestra baiana “Os Almirante Jonas”.

Wilson fez um samba em homenagem ao colega, chamado “Grinalda”. Cantou-o em rádio, mas nunca chegou a gravá-lo. Até falecer em 1968, reverenciou Noel como um ídolo em dezenas de entrevistas. 

E citou-o em, pelo menos, mais oito sambas: 

  • Terra Boa (1942)
  • Waldemar (Quero um samba) (1943)
  • Chico Viola (1952)
  • Garota dos Discos (1952)
  • Skindô (1962)
  • Parabéns, Rio (1965)
  • A Nova Lapa” (1968)
  • Transplante de Coração (1968)

As músicas da polêmica foram reunidas, em 1956, num LP de dez polegadas da Odeon, cantadas por Roberto Paiva e Francisco Egídio. As composições de Wilson Batista que fizeram parte do polêmico duelo com Noel Rosa ainda não tinham sido gravadas em disco.

Wilson Batista: pós-polêmica e legado

Wilson Batista | Imagem: Reprodução

Em 1938 a dupla de Wilson Batista ficou bastante famosa, quando foi contratada pela Rádio Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro. Mas já no ano seguinte, com a ida de Erasmo Silva para Buenos Aires, a dupla se desfez. 

Em 1939, Wilson compôs com Ataulfo Alves as canções “Mania da Falecida” e “Oh! Seu Oscar”, samba que se destacou no Carnaval de 1940, vencendo o concurso de músicas carnavalescas do Departamento de Imprensa e Propaganda do Governo Federal, tendo sido gravado por Ciro Monteiro, intérprete que lançou em disco, também no mesmo ano, os sambas de Batista: “Tá Maluca” (com Germano Augusto) e “O Bonde de São Januário” (com Ataulfo Alves), este último grande sucesso no Carnaval de 1941.

Consagrado desde então, Wilson Batista iniciou, com diversos parceiros, uma série de composições, retratando tipos cariocas, que conseguiram êxito na maioria dos Carnavais dos vinte anos seguintes. 

O Carnaval de 1962 foi um dos últimos de que participou, lançando, na voz de César de Alencar, a marcha “Cara Boa”, parceria com Jorge de Castro e Alberto Jesus. 

Boêmio até o fim da vida, nos seus últimos anos, Wilson Batista trabalhou como fiscal da UBC (União Brasileira de Compositores), entidade que ajudou a criar. Ele faleceu em 1968, aos 55 anos, vítima de complicações cardíacas.

Poucos anos antes de sua morte, Wilson Baptista gravou uma fita-demonstração que tinha como destinatária a jovem cantora Thelma Soares, que havia acabado de gravar um LP em homenagem a Nelson Cavaquinho. Até aquela altura, o compositor nunca havia gravado nenhum fonograma solo como cantor, e interpretou para a fita diversas de suas próprias letras.

Sua intenção era que Thelma gravasse um disco em tributo às suas composições, promovendo assim uma redescoberta de seu nome por parte do público. A cantora acabou nunca levando adiante o projeto, mas essa fita chegou às mãos de alguns produtores musicais e sambistas. 

No início dos anos 1970, Paulinho da Viola – por exemplo – descobriu uma cópia da fita-demo na gaveta de uma emissora de rádio. O sambista se tornou admirador confesso do trabalho de Baptista e gravou em disco canções como:

  • Chico Brito (parceria com Afonso Teixeira, em 1979)
  • Nega Luzia (parceria com Jorge de Castro, em 1974)
  • Meu Mundo é Hoje (parceria com José Batista, em 1972), que se tornou um de seus maiores sucessos enquanto intérprete. 

Por volta do mesmo período, outra cópia da fita chegou às mãos da cantora e instrumentista Cristina Buarque, que gravou o samba “Flor da Lapa”, em seu disco “Arrebém”, de 1978. 

Mais uma cópia da fita foi descoberta pelo poeta, compositor e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho, que incorporou letras de Wilson em espetáculos e LPs produzidos por ele.

Esforços como estes foram a porta de entrada para que novas gerações entrassem em contato com o trabalho de Wilson Baptista. Sambas de sua autoria passaram a ser tidos como clássicos do gênero, fazendo com que o compositor fosse objeto de discos-tributo por intérpretes diversos comoJoão Nogueira (“Wilson, Geraldo, Noel”, 1981) e Cristina Buarque (“Ganha-se pouco, mas é divertido”, 2000).

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