Entenda o significado da música “Gita”, de Raul Seixas 

Um dos maiores sucessos da carreira de Raul Seixas, hoje vamos conhecer o significado da música “Gita“.

Sobre Raul Seixas

O eterno Maluco Beleza, Raul Seixas, foi um dos mais autênticos e geniais artistas do nosso país. Cantor, compositor, multi-instrumentista, produtor e poeta, ele foi um dos pioneiros do rock brasileiro e muitos o consideram o pai do rock no Brasil, influenciando uma geração de artistas com a sua música, sua irreverência e autenticidade.

Um artista adiante de seu tempo, Raul lançou 17 discos em 26 anos de carreira e inovou ao misturar o rock’n roll com o baião, trazendo brasilidade ao gênero e introduzindo uma nova vertente musical no Brasil. Raul Seixas também se utilizou das influências do folk, do country e do blues, além de outros ritmos nordestinos e do rock psicodélico.

Sua obra traz canções com mensagens impactantes, que unem protesto e críticas políticas e sociais – com um tom contestador e muitas vezes irônico – a angústias existenciais, misticismo, metafísica e filosofia, com ideais muito particulares.  

Mesmo muitos anos após a sua morte, sua obra continua vivíssima e cultuadíssima, sendo um dos artistas de maior importância da música brasileira, uma lenda nacional. 

Baiano de Salvador, durante a infância e adolescência, Raul amava ler e era muito fã de literatura, filosofia e também de rock’n roll. Ele dizia que tudo o que ele aprendia era nos livros, que eram combustível para a sua imaginação e fantasia.

Apaixonado por música, passava horas escutando discos de rock’n roll – principalmente Elvis Presley e Little Richard – mas também Luiz Gonzaga. Nos anos 60, Raul montou sua primeira banda de rock, Os Panteras, que se tornou um sucesso em Salvador e depois começou a ser conhecida no resto do país, ao acompanhar alguns ídolos da Jovem Guarda que estavam bombando na época, como – por exemplo – Jerry Adriani, um dos maiores incentivadores da carreira de Raul.

Em 1968, Raulzito e Os Panteras – já no Rio de Janeiro – gravam o seu primeiro e único disco, com bastante influência dos Beatles, mas o disco não foi sucesso nem de público nem de crítica, e a banda teve dificuldade de adequar ao mercado fonográfico.

Com isso, Raul e os Panteras enfrentaram muitas dificuldades, chegando a passar fome no Rio de Janeiro. Depois de um tempo, Raul Seixas foi trabalhar como produtor em uma gravadora, fazendo muitos amigos, contatos e parceiros. Artistas de peso na época começaram a gravar as composições de Raul e também a ser produzidos por ele.

No começo dos anos 70, seus primeiros discos em parceria com outros artistas foram censurados pela ditadura por conta das letras e, quando foram finalmente lançados, não tiveram boa aceitação do público e nem da crítica: Raul Seixas ainda era incompreendido na sua genialidade.

Em 1972, o artista participou do VII Festival Internacional da Canção e se classificou com duas composições, entre elas a genial mistura de rock e baião “Let Me Sing“. Raul Seixas foi finalmente contratado como artista por uma gravadora e alcançou o auge do sucesso pouco tempo depois.

O cantor e compositor Raul Seixas | Foto: Reprodução

Do sucesso até o fim da vida

Em 1973, o primeiro disco solo de Raul, “Krig-ha, Bandolo!”, conta com a clássica canção “Ouro de Tolo”, em que ele relata sobre seu tempo de dificuldades quando chegou ao Rio, faz críticas à ditadura, aos sonhos e anseios da sociedade e já mostra o seu interesse por extraterrestres, o que – depois – refletiu-se em muitas de suas obras e na parceria com o escritor Paulo Coelho.

Também deste disco são as canções icônicas: “Mosca na Sopa”, “Metamorfose Ambulante” – um verdadeiro retrato de quem foi Raul Seixas – e “Al Capone”.

Em 74, Raul e Paulo Coelho lançaram o movimento espiritual esotérico “Sociedade Alternativa”, baseado nos preceitos do bruxo inglês Aleister Crowley, e – por isso – tiveram muitos problemas com a censura, que acreditava que suas letras eram subversivas e um movimento revolucionário contra o governo. 

Os dois foram presos pelo DOPS, torturados e obrigados a se exilar nos Estados Unidos, onde ficaram por pouco tempo, porque o sucesso de “Gita” – próximo disco de Raul Seixas, que havia sido gravado meses antes – foi tanto, que eles voltaram aclamados pro Brasil.

“Gita”, rendeu a Raul disco de ouro e é considerado seu álbum de maior sucesso, trazendo, além do hit “Sociedade Alternativa”, as clássicas “Medo da Chuva” e a faixa-título, sobre a qual vamos saber a história hoje.

Em seguida, vieram mais sucessos estrondosos e geniais, como:

  • Tente Outra Vez
  • A Maçã
  • Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás
  • O Dia Em Que A Terra Parou 
  • Maluco Beleza

A partir de 78, Raul Seixas começou a ter problemas de saúde devido ao abuso no uso de álcool e outras drogas, o que lhe causou uma pancreatite aguda e a perda de 1/3 do pâncreas. 

Ele não concordava com os direcionamentos dados pela gravadora ao seu trabalho e se incomodava muito com o fato de a vendagem dos seus discos importar muito mais do que a sua estética musical.

Ele também passou a enfrentar uma depressão, depois que se separou da terceira esposa e que as parceiras de seus dois casamentos anteriores se mudaram pros EUA com suas filhas. Tudo isso somado, levou Raul Seixas a um círculo vicioso de abusos e dificuldades para trabalhar.

Em 1980, depois de um tempo afastado se tratando, Raul lançou os clássicos “Rock das Aranha” e “Aluga-se”. Mas, sem gravadora e contratos e enfrentando uma forte depressão, se afundou mais e mais.

Em 1983,  o artista foi convidado para gravar o icônico especial infantil “Plunct, Plact, Zum”, da Rede Globo, pro qual compõe a famosa canção “Carimbador Maluco”, e participou também como ator, dando uma boa guinada e recuperada na sua carreira.

Ainda, depois disso, vieram sucessos como “Não Pare Na Pista” e “Cowboy Fora da Lei”, quando – em 1989 – um dia antes de lançar um disco em parceria com Marcelo Nova (com quem fez uma turnê de 50 apresentações pelo Brasil, depois de anos sem pisar nos palcos) Raul Seixas nos deixou, aos 44 anos, vítima de uma parada cardíaca causada pela pancreatite aguda da qual sofria. Raul também era diabético e não tinha tomado insulina na noite anterior.

Depois da sua morte, Raul Seixas permaneceu entre as paradas de sucesso e continua fazendo sucesso e influenciando as novas gerações, sendo um ícone nacional, uma lenda da nossa música. “Toca, Raul!”

O significado da música “Gita”

“Gita” é uma parceria entre Raul Seixas e Paulo Coelho, lançada por Raul no álbum de mesmo nome, em 1974.

Em um vídeo publicado pelo canal do amigo pessoal de Raul Seixas e também presidente do fã-clube “Raul Rock Club”Sylvio Passos – Raul Seixas refletiu acerca dos significados por trás do clássico “Gita”:

“As pessoas me perguntam como se fala ‘Gita’. A pronúncia correta é ‘Guita’. Vem do livro indiano ‘Bagavadeguitá’, que seria como a bíblia para nós. É um livro antigo e ninguém sabe quem escreveu. Deve ser um dos mais antigos da humanidade. 

Ele fala sobre a história da revelação do todo, do absoluto, que é Deus. A grande resposta. O resultado é que Krishna, que é a representação do todo, diz no livro para um guerreiro chamado Arjuna, sobre a chave da resposta para as perguntas. 

Quando falo na letra ‘Sou isso, Sou aquilo’, não sou eu. De maneira nenhuma. É cada um de vocês. Nós somos a coisa mais importante no universo. O todo quis assim. Somos o próprio processo histórico e o equilíbrio cósmico. Então, cada um é sua própria estrela. Cada um gira em torno de si, embora, nesse plano, tenhamos que interagir. Acho legal elucidar a música, porque às vezes começamos a ouvir uma música e não sabemos do que se trata. Ela trata de cada pessoa mesmo”.

Raul Seixas e Paulo Coelho se inspiraram em trechos do livro indiano “Bhagavad Gîtâ” um poema filosófico que compreende os capítulos 23 a 41 do “Bhismaparwa”, uma das seções do livro “Mahâbhârata”, grande texto sagrado do hinduísmo. 

O poema é o mais lido, mais discutido e mais examinado de toda a literatura sânscrita, podendo ser definido como um patrimônio espiritual de toda a humanidade.

O que Paulo e Raul fizeram nessa canção foi traduzir e tornar mais acessível ao público brasileiro o diálogo entre o deus Krishna e o herói Arjuna. As estrofes da canção “Gita” estão baseadas na pergunta feita por Arjuna para Krishna: “Quem és tu?”. O questionamento do guerreiro dá origem à resposta do deus.

A tradução de “Gita” seria algo como “a canção do bem-aventurado” ou “a sublime canção”.

A seguir, alguns trechos do  “Bhagavad Gîtâ” que inspiraram a canção:

“A matéria é imutável, porém eu sou tudo o que dizes e tudo aquilo que pensas. Tudo repousa em mim como pérolas em um fio. Eu sou o perfume da terra e o calor do fogo. Sou a aparição e o desaparecimento. Sou a serpente cósmica infinita. Sou o chefe dos músicos celestiais. Eu sou a ciência do ser. Eu sou a vida de cada criatura. O jogo dos trapaceiros, sou o esplendor que brilha”.

“Eu sou o eixo que sustenta o universo. O pai, a mãe e o avô. Eu sou o objeto do verdadeiro conhecimento. Eu sou o início e o fim do caminho. Eu sou o princípio e o fim. A origem, a fundação e a destruição. Eu oferto o calor e a luz do sol.”.

Tanto o Raul Seixas quanto o Paulo Coelho conheciam esta obra e, em uma viagem que fizeram para Bahia junto com as esposas, os compositores começaram a falar sobre o livro e a letra da música foi surgindo em menos de 10 minutos, em uma tentativa de traduzir os ensinamentos do “Bhagavad Gîtâ

Raul Seixas declarou sobre a música “Gita”: “Ela desperta em cada um o que a pessoa é: o bem e o mal como sendo uma coisa só e Deus como um todo dentro de nós.”

E aí? Gostou de saber o significado de “Gita”, de Raul Seixas?

Paulo Coelho (à esquerda) e o cantor Raul Seixas, em foto de 1973 – Acervo Instituto Paulo Coelho/Divulgação

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