por Lívia Nolla
Se não tivesse deixado órfãos do seu talento e autenticidade, aos 62 anos, lá em 2000, Wilson Simonal estaria completando 86 anos neste 23 de fevereiro.
Sua exímia qualidade vocal e rítmica, seu carisma e domínio do palco e do público lhe garantiram um estrondoso sucesso durante as décadas de 60 e 70 e o colocaram entre os maiores nomes da nossa música popular brasileira de todos os tempos.
O cantor e compositor carioca era um artista completo – um showman – que regia uma plateia de 30 mil pessoas como se fossem parte de seu coro e transformava em hit tudo o que gravava. Foi eleito a quarta maior voz brasileira de todos os tempos, segundo lista da Revista Rolling Stone Brasil de 2012.
Por isso, nós da Novabrasil preparamos uma matéria especial no dia de hoje, para celebrar sua obra e seu legado.
O início de tudo: do quartel para os palcos
Nascido no Rio de Janeiro, em 1938,Wilson Simonal de Castro era filho de uma cozinheira e empregada doméstica e de um radiotécnico, ambos mineiros, que haviam se mudado para a cidade carioca.
Chegou a estudar canto na escola e violão com um amigo, mas – na adolescência – viu seus planos de formar um conjunto musical interrompidos, quando foi convocado a servir o 8º Grupo de Artilharia de Costa Motorizado, quartel famoso pelo seu ativo time de futebol e por sua banda.
Mas, como nada é por acaso, foi lá que Simonal aprendeu a comandar plateias e dominar o público como ninguém, já que era chefe da torcida do time e participava dos bailes como cantor da banda.
Quando saiu do exército, foi logo formar o seu primeiro conjunto musical: Dry Boys, chamando a atenção de Carlos Imperial, importante produtor artístico da época, que apresentava o programa Clube do Rock, na TV Tupi, onde a banda passou a se apresentar.
Primeiros Sucessos
Depois disso, Simonal seguiu em carreira solo, com o apoio de Imperial – que contratou-o como seu secretário – e passou a se apresentar como crooner na boate Drink. A exposição como crooner lhe rendeu um contrato com sua primeira gravadora e a gravação de seu primeiro compacto, com as canções Terezinha (de Carlos Imperial), e Biquínis e Borboletas (de Fernando César e Britinho).
Nos anos de 1962 e 1963, sua gravadora lançou mais três compactos de Simonal para testar sua receptividade em diferentes estilos musicais, antes de lançar seu disco de estreia, em novembro de 1963: Tem “Algo Mais”. Neste disco está o seu primeiro sucesso nas rádios: Balanço Zona Sul (de Tito Madi).
O álbum e a música lhe deram grande exposição e Simonal foi convidado por Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli para se apresentar, entre os anos de 1964 e 1965, no famoso Beco das Garrafas, travessa do Rio de Janeiro que abrigava as casas noturnas onde se apresentavam os maiores nomes da música brasileira da época.
Em 1965, o artista lançou o seu segundo álbum, A Nova Dimensão do Samba, considerado por muitos como um dos melhores discos da sua carreira. Estão nesse disco canções como Lobo Bobo (de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli) e Ela Vai, Ela Vem (de Bôscoli e Roberto Menescal).
Simonal nas Telinhas
O grande sucesso no Beco das Garrafas e das primeiras músicas gravadas trouxeram o interesse da TV Tupi em produzir um programa apresentado por Simonal. Assim, em janeiro de 1965, ele assinou contrato para apresentar o programa Spotlight e mudou-se para São Paulo.
Em 1966, três anos após lançar o seu primeiro disco, Simonal passou a ser atração fixa no programa de Elis Regina e Jair Rodrigues, O Fino da Bossa, na TV Record e também a fazer participações no programa da Jovem Guarda.
Neste mesmo ano, o artista interpretou a trilha do primeiro filme de Os Trapalhões e logo tornou-se um sucesso nacional. Ainda em 1966, Simonal estreou o seu programa, Show em Si… Monal (que, depois de um tempo – passou a se chamar Vamos S’imbora), na TV Record. Entre os roteiristas estavam Miele, Bôscoli, Carlos Imperial e Jô Soares.
Intérprete visionário
Simonal foi o segundo intérprete na história a gravar Caetano Veloso, ficando atrás somente da irmã dele, Maria Bethânia, ainda não tão conhecida na época. Simonal gravou a mesma canção que Bethânia e no mesmo ano, De Manhã, em um compacto de 1965.
Ele também foi o segundo artista a gravar Chico Buarque, com a canção Sonho de Um Carnaval, no mesmo ano, depois de ser gravada por Geraldo Vandré. Além disso, foi ainda o primeiro a gravar Toquinho, com a canção Belinha.
Tudo isso só mostra o quanto o intérprete era alguém de visão, antenado com o que de mais novo e de melhor qualidade vinha sendo feito em termos de música no Brasil.
Rei da Pilantragem
A partir de 1966, o pianista César Camargo Mariano (que foi marido de Elis Regina e é pai de Maria Rita e Pedro Mariano) tornou-se o principal arranjador das canções de Simonal. Os dois, junto com Carlos Imperial e Nonato Buzar, formaram um movimento, comandado por Simonal, batizado de Pilantragem.
A ideia era misturar bossa nova, samba, a nascente música soul americana, o jazz, a música de protesto e o rock que se já fazia por aqui na época com a Jovem Guarda, sem perder a qualidade, mas fazendo um som que era diferente de tudo isso, que eles definiam como “mais comunicativo” – isto é – que se comunicasse melhor com as massas, que fosse mais popular.
A elaboração de arranjos e repertórios buscava a união do bom gosto com a comunicação imediata. Foi nessa linha que Simonal – que ficou conhecido como Rei da Pilantragem ou Rei do Swing – gravou as canções: Carango (de Imperial e Buzar); Mamãe Passou Açúcar em Mim e Nem Vem Que Não Tem (ambas de Carlos Imperial); Meu Limão, Meu Limoeiro (Tradicional/Adpt. José Carlos Burle); Vesti Azul (de Nonato Buzar); e tantos outros sucesso de sua carreira.
Autor do hino de luta contra o preconceito racial
Em 1967, Simonal compôs – com Ronaldo Bôscoli – a música que viria a ser um hino da luta contra o preconceito racial: Tributo a Martin Luther King, grande ícone e referência na luta pelos direitos civis americanos. César Camargo Mariano fez os arranjos e a canção foi gravada em compacto no mesmo ano, mas só pôde ser lançada quatro meses depois, por conta da censura.
Na entrega do Troféu Roquete Pinto naquele ano, Simonal fez um discurso histórico sobre esta composição: “Essa música, eu peço permissão a vocês, porque eu dediquei ao meu filho, esperando que no futuro ele não encontre nunca aqueles problemas que eu encontrei, e tenho às vezes encontrado, apesar de me chamar Wilson Simonal de Castro.”
Simonal é pai dos cantores, compositores, multi-instrumentistas e produtores Wilson Simoninha e Max de Castro, que carregam com maestria o seu legado na música.
Intérprete desejado por todos
No histórico III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967, Simonal foi indicado como intérprete por tantos compositores que a organização abriu uma exceção para que ele apresentasse uma música em cada uma das três eliminatórias. Então, o cantor defendeu Balada do Vietnã (de Elizabeth Sanches e David Nasser); O Milagre (de Nonato Buzar); e Belinha (de Toquinho e Vítor Martins).
Ainda em 1967, Simonal lançou o disco Alegria, Alegria, o primeiro de uma série de quatro discos que o artista lançou com esse nome, vindo de um bordão que ele utilizava nos shows e que Caetano Veloso usou para nomear sua música de imenso sucesso, que apresentou no festival do mesmo ano. Nesse disco, que conta com barulho de interação e palmas da plateia e com cantigas de roda, estão grandes sucessos da Pilantragem.
Os maiores sucessos da carreira
Em 1969 Simonal gravou o que veio a ser o maior sucesso comercial de sua carreira: a música País Tropical, de Jorge Ben Jor. Jorge queria dar a composição para Gal Costa, mas Simonal gostou tanto da música que insistiu em gravá-la e ainda inseriu algumas particularidades, como o último refrão em que cantava apenas a primeira sílaba de cada palavra, o célebre “patropi”, termo utilizado até hoje para fazer referência ao Brasil.
Sá Marina (de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar), de 1968, é a segunda música de maior sucesso de Simonal e tornou-se o maior cartão de visitas de Simonal no exterior, tendo sido gravada por nomes como Sérgio Mendes e Stevie Wonder e rendendo ao artista turnês internacionais de sucesso.
Contrato publicitário valioso
Também em 1969, a empresa Shell patrocinou uma turnê de Sérgio Mendes no Brasil. O pianista brasileiro, que fazia muito sucesso e residia no exterior desde 1964, veio se apresentar no país e encerrou a turnê em um show a preços populares no Maracanãzinho, contando com a presença de outros artistas como Jorge Ben Jor, Gal Costa, Milton Nascimento e Wilson Simonal, que foi o último a se apresentar antes da entrada triunfal de Sérgio Mendes.
Acontece que Simonal fez tanto sucesso com as clássicas canções que apresentou em seu show e com a forma com que dominava a plateia de 30 mil pessoas como se fossem parte de seu coro – dividindo as vozes em Meu Limão, Meu Limoeiro, da mesma forma que fazia em seu programa – que acabou sendo mais ovacionado que o próprio Sérgio Mendes, estrela da noite.
A Shell ficou encantada com Simonal e fechou com ele um dos maiores e mais altos contratos da história da publicidade até aquele momento. Simonal tornou-se garoto propaganda da marca e seu sucesso, popularidade, influência só cresciam a cada dia, atingindo o auge naquele momento.
Carreira Internacional e outros projetos
Em 1970, Simonal excursionou pela Europa como embaixador do Festival Internacional da Canção daquele ano e aproveitou para promover a sua própria carreira fora do Brasil.
No mesmo ano, o cantor acompanhou a Seleção Brasileira de Futebol durante a Copa do Mundo do México e se apresentou no país,, lançando até um álbum por lá, chamado México 70 e que contava com o sucesso Aqui é o País do Futebol, de Milton Nascimento e Fernando Brant.
Ainda em 1970, estreou o filme É Simonal, indo na onda dos filmes com músicos que existiam à época, como os de Roberto Carlos. No mesmo ano, dentro do contrato com a Shell, cantou ao lado de Sarah Vaughan.
No fim de 1970, o artista lançou o compacto A Tonga da Mironga do Kabuletê, de Vinícius de Moraes e Toquinho, última música de Simonal arranjada por César Camargo Mariano e a última canção na qual o compositor foi acompanhado pela banda Som Três.
O começo do fim
A partir daí, estando ainda no auge, Simonal viu sua carreira entrar em declínio em 1971, por conta da notícia de que ele teria se envolvido com o DOPS – Departamento de Ordem Política e Social – órgão de informação e repressão do governo brasileiro utilizado na época da ditadura militar, ao acionar seus contatos na polícia para assustar o seu contador na época, que trabalhava para a Simonal Produções Artísticas e que Simonal acreditou que estava o roubando.
O homem foi torturado por agentes do DOPS para que confessasse o desfalque e denunciou o envolvimento de Simonal no seu sequestro e nas agressões sofridas.
A partir dessa delação desastrada, Simonal passou a ter seu nome diretamente ligado aos serviços de informações e delações do regime militar e, por isso, foi boicotado pela mídia, por gravadoras e também por outros artistas, que o acusavam de ser delator de colegas da classe artística, muito perseguida pela ditadura na época.
O artista chegou a lançar mais alguns discos depois de 71, mas nada muito expressivo e nunca mais recuperou o prestígio que o havia convertido no cantor mais popular do Brasil poucos anos antes.
Esses boatos nunca foram provados, mas isso não impediu que Simonal vivesse os últimos anos de sua vida no ostracismo, falecendo no ano 2000, aos 62 anos, por complicações provenientes do alcoolismo que passou a enfrentar depois que caiu no esquecimento e teve sua carreira destruída, logo após ter sido um dos nomes de maior sucesso da música popular brasileira.
Simonal não conseguiu (em vida) provar que não tinha envolvimento com os órgãos repressores, que prendiam e torturavam os seus colegas artistas, mas que – sim – tinha cometido um erro e pagado pelos crimes a que foi condenado ao ter participação no sequestro e tortura sofridos por seu contador.
Ele chegou a obter, no início dos anos 90, documentos da Presidência da República que, após vasculhar os arquivos dos serviços de informação, informavam que nada fora encontrado sobre a associação do cantor com os denominados serviços. Assim, o cantor voltou a aparecer na mídia como uma vítima do clima da ditadura militar que provocava patrulhamentos, mas isso não foi o bastante para recuperar sua carreira.
Por muito tempo, seus filhos, fãs e colegas da classe artística lutaram para revitalizar a memória de Simonal e o legado inquestionável que ele deixou para a nossa música popular brasileira, sendo um de seus maiores e principais representantes.
O Legado
Apesar de tudo o que Simonal sofreu, seu legado continua vivíssimo, tanto em suas canções maravilhosas, como em seus dois talentosos filhos – Simoninha e Max de Castro – que tanto lutaram para provar a inocência do pai e, em 2003, conseguiram que Simonal fosse moralmente reabilitado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em julgamento simbólico.
A vida de Simonal virou filme (que nos mostra o quanto o racismo teve influência no julgamento imperdoável que o artista sofreu por parte da mídia, da classe artística e da opinião pública no auge de sua carreira), musical, livro e especial comandando pelos seus filhos – o maravilhoso Baile do Simonal.