por Lívia Nolla
No dia 05 de janeiro do ano passado, nós homenageamos o aniversariante do dia, Humberto Teixeira, dentro da nossa série Saudando Grandes Compositores da MPB, contando a história de duas de suas composições mais famosas: Respeita Januário e Qui Nem Jiló.
Neste ano, nós voltamos a homenagear o compositor, instrumentista, poeta, advogado e político nascido em Iguatu, no Ceará, no dia 05 de janeiro de 1915, contando a história de mais dois dos seus clássicos, afinal, Humberto Teixeira é responsável por alguns dos maiores sucessos da nossa música popular brasileira.
Primeiro, vamos contar um pouco mais sobre a história do aniversariante, para que vocês conheçam mais sobre este grande artista.
Sobre Humberto Teixeira e sua parceria com Luiz Gonzaga
Desde cedo, Humberto apresentava aptidões para a música: aos 13 anos tocava flauta na orquestra que musicava os filmes mudos no Cine Majestic de Fortaleza. Aos 15 anos mudou-se para o Rio de Janeiro onde, aos 18 anos, foi premiado no seu primeiro concurso de música carnavalesca.
Em 1943, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesta época, já tinha composto sambas, marchas, xotes, sambas-canções e toadas e tentava lançar o ritmo nordestino “balancê” ou “balanceio” tocado pelo parceiro Lauro Maia, com quem compôs algumas canções.
Em 1945, Humberto Teixeira já tinha gravado sua primeira música, o samba Sinfonia do Café (em parceria com Lírio Panicalli), quando conheceu Luiz Gonzaga e, em uma conversa animada entre os dois, surgiu a intenção de valorizar o ritmo nordestino, que já vinha sendo introduzido no ambiente cultural carioca.
O pernambucano de Exu já estava fazendo carreira no Rio de Janeiro nesta época, e – depois – veio a tornar-se uma das maiores lendas da música popular brasileira e um dos nomes mais importantes da história do país, por sua contribuição memorável para a nossa cultura.
Gonzagão sintetizou como ninguém os ritmos nordestinos, por meio de uma releitura da cultura popular, que resultou na criação do Baião. O gênero musical atingiu o auge do sucesso nas décadas de 40 e 50, levando – para sempre – a cultura musical nordestina ao Brasil inteiro e também ao mundo.
Por isso, o cantor, compositor e instrumentista pernambucano ficou conhecido como o Rei do Baião. Além do baião, ele também apresentou ao mundo todo o xote, o xaxado e o forró pé de serra.
Humberto Teixeira foi um dos principais parceiros de Luiz Gonzaga, com quem compôs 27 músicas somente entre os anos de 1947 e 1952. A primeira parceria dos dois foi a canção No Meu Pé de Serra, em 1947. Humberto teve – junto com Luiz Gonzaga – uma grande contribuição para o sucesso do baião, fazendo-o ficar conhecido como o Doutor do Baião.
No primeiro dia em que se encontraram, Gonzagão apresentou sua ideia a Humberto Teixeira: representar a música de sua terra nos grandes centros do país. Nesse mesmo dia, os dois compositores já começaram a dar vida à Asa Branca, o maior sucesso da dupla e grande hino do nordeste brasileiro, que foi lançado também em 1947.
O Rei e o Doutor do Baião influenciaram uma geração inteira de artistas da música popular brasileira e são referência nos principais movimentos musicais da história do nosso país. Em suas composições, apresentaram o sertão nordestino ao mundo, descrevendo as injustiças, a fome, a seca e a pobreza daquela região, mas também a alegria, a dedicação ao trabalho, a bravura, a beleza e a coragem do povo nordestino
Juntos, compuseram outros grandes clássicos como Assum Preto, Baião, Juazeiro, Paraíba, Respeita Januário, No Meu Pé de Serra e Qui Nem Jiló.
Humberto Teixeira foi eleito – por três anos consecutivos: de 1950 a 1952 – como o Melhor Compositor do Brasil, pela Revista do Rádio Também fundou e presidiu a Academia Brasileira de Música Popular, em 1956, juntamente com o compositor João de Barro.
Teixeira faleceu em 1979, aos 64 anos, vítima de um enfarte de miocárdio, depois de ter atuado também como deputado federal pelo Ceará, quando aprovou a Lei Humberto Teixeira, que permitia maior divulgação da música brasileira no exterior, por meio de caravanas musicais financiadas pelo Governo Federal.
Hoje, entre os vários sucessos de Humberto Teixeira, contaremos a história das canções No Meu Pé de Serra e Assum Preto (sobre Asa Branca, também já falamos aqui).
No Meu Pé de Serra
No Meu Pé de Serra é um forró que consagra a primeira parceria de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
Composta em 1946 e gravada em 1947, a música é bastante nostálgica e faz referência à saudade da vida no sertão, trazendo uma alusão a um coração deixado lá no “pé de serra”.
A canção retrata uma visão romântica da vida no sertão, onde o trabalho é duro, mas ali se tinha tudo o que quisesse, com especial destaque para o xote de toda quinta-feira, em que se gruda numa cabocla, enquanto o fole começa… e parece não parar!
No livro O Fole roncou – uma história do Forró, dos jornalistas Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, há um diálogo entre os dois compositores, que conta um pouco mais da história da canção:
Luiz Gonzaga já tentava há tempos arranjar um letrista constante para as melodias que carregava na memória: “Eu quero cantar as coisas da minha terra e preciso de alguém que me ajude a decantar a vida da minha gente”, dizia o sanfoneiro.
Até que, finamente, conheceu Humberto Teixeira por meio do cearense Lauro Maia, que tinha antes disso convidado a se tornar parceiro Luiz Gonzaga a partir de um desafio, mas prontamente respondeu ao pernambucano: “Gonzaga, gosto muito de sua voz, só que não sou letrista para os motivos que você tem. Mas tenho um cunhado que vai resolver seu problema”.
Então, Lauro colocou Gonzagão em contato com Humberto Teixeira, que já tinha alguma experiência como letrista de sambas e outros ritmos. No primeiro encontro, o sanfoneiro pediu: “Eu tenho um tema aqui pra você botar uma letrinha: No Meu Pé de Serra”.
Na mesma hora, Humberto Teixeira pôs uma folha de papel em cima do joelho e escreveu uma letra. Gonzaga leu e gostou. Teixeira advertiu: “Mas essa não é a letra definitiva!”, e Gonzagão respondeu: “Peraí, nessa você não vai bulir mais não! A letra é essa!”
Humberto Teixeira insistiu e – pouco depois – mandou para o seu futuro grande parceiro a letra original de No Meu Pé de Serra, desenvolvendo uma temática que se tornaria recorrente em suas canções: a dor da ausência.
Lá no meu pé de serra
Deixei ficar meu coração
Ai, que saudades tenho
Eu vou voltar pro meu sertão
No meu roçado trabalhava todo dia
Mas no meu rancho tinha tudo o que queria
Lá se dançava quase toda quinta-feira
Sanfona não faltava e tome xote a noite inteira
O xóte é bom
De se dançar
A gente gruda na cabôcla sem soltar
Um passo lá
Um outro cá
Enquanto o fole tá tocando,
tá gemendo, tá chorando,
Tá fungando, reclamando sem parar…
Assum Preto
Já em outra parceria dos dois artistas, a música Assum Preto, gravada em 1950, Humberto Teixeira fala sobre outra dor. Na canção, é retratada a beleza de uma paisagem bucólica, comum no sertão após as chuvas, pois quando há estação chuvosa na região pode-se ver o reverdecimento da mata. Esse fato traz alegria, esperança para o sertanejo.
No entanto, a beleza do sol do mês de abril e das flores não pode ser apreciada por Assum Preto, um pássaro típico da região nordeste, porque ele não pode vê-la, já que é cego.
Tudo em volta é só beleza
Sol de abril e a mata em flor
Mas Assum Preto, cego dos olhos
Não vendo a luz, ai, canta de dor
Mas Assum Preto, cego dos olhos
Não vendo a luz, ai, canta de dor
Talvez por ignorância
Ou maldade das piores
Furaram os olhos do Assum Preto
Para ele assim, ai, cantar melhor
Assum Preto vive solto
Mas não pode mais voar
Mil vezes a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse olhar …
Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaram o meu amor, ai
Que era a luz, ai, dos olhos meus
Também roubaram o meu amor, ai
Que era a luz, ai, dos olhos meus
Era comum que naquela região – não se sabe se por ignorância ou por maldade, como a letra da música diz – que fazendeiros ou pequenos agricultores furassem os olhos das aves e as cegassem, para que seu canto se tornasse um canto de dor, e – por isso – um canto mais belo.
Daí vem mais uma contradição da música: o pássaro tem asas, o que lhe dá o direito à liberdade, ser livre para voar. Mas como ele não vê, não enxerga, não pode voar, e por isso vive preso, tornando-se um animal domesticado.
Uma das mais belas e tristes canções da nossa música popular brasileira.
Gostou de saber mais sobre as histórias de grandes canções da nossa música popular brasileira? Continue acompanhando a nossa série Saudando Grandes Compositores da MPB. Hoje, homenageamos o aniversariante Humberto Teixeira.