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Os 9 melhores poemas de Augusto dos Anjos; inclusive “Versos Íntimos”

Início do século 20, Belle Époque brasileira, um período de otimismo e imitação de modismos europeus, pouco favorável a ousadias artísticas. É nesse contexto que surge Augusto dos Anjos, um poeta fora de qualquer escola literária definida, cuja obra singular chocou os contemporâneos.

Nascido em 1884 no engenho Pau d’Arco, Paraíba, Augusto dos Anjos formou-se em Direito, mas dedicou-se ao magistério e à poesia. Publicou apenas um livro, “Eu” (1912), reunindo 58 poemas que causaram estranhamento pelo vocabulário científico e pelas imagens mórbidas e pessimistas, rendendo-lhe apelidos como “Poeta da Morte” e “Poeta do Hediondo”.

De fato, Augusto se definia como:

“aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!

Seus versos mesclavam sonetos bem estruturados com temas subversivos para a época: vermes, cadáveres em decomposição, doenças, desilusão e a finitude da matéria, em uma linguagem que unia termos eruditos e científicos ao coloquial. Incompreendido em vida Augusto dos Anjos faleceu precocemente em 1914, vítima de pneumonia, aos 30 anos, sem ver o reconhecimento que viria nas décadas seguintes.

Hoje, Augusto dos Anjos é celebrado como um dos poetas brasileiros mais originais, precursor do modernismo em sua quebra de tabus e abordagem materialista da existência. Sua breve trajetória pessoal, marcada por perdas (perdeu um filho recém-nascido e o pai antes de falecer) e por decepções profissionais (foi afastado do cargo de professor por desentendimentos políticos), reflete-se na solidão e angústia presentes em sua poesia.

9 melhores poemas de Augusto dos Anjos

1. Psicologia de um Vencido

Psicologia de um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Neste poema de abertura do livro Eu, o eu-lírico se apresenta como um ser formado por elementos químicos, negando qualquer ideal espiritual. A visão de mundo é marcada pela angústia, hipocondria e morte — simbolizada pelo verme que espreita o corpo. O tom é de completo desencanto, e o vocabulário científico reforça o materialismo radical que atravessa sua obra.

2. Versos Íntimos

Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Um dos mais conhecidos de Augusto dos Anjos, revela uma visão amarga e brutal da natureza humana. O eu-lírico afirma que viver entre feras torna o homem também uma fera. O poema termina com um conselho sombrio: revidar o afeto hipócrita com desprezo. A linguagem direta, aliada à dureza das imagens, faz de “Versos Íntimos” uma síntese do pessimismo do autor.

3. Vandalismo

Vandalismo
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
[…]
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

Neste poema, o coração do poeta é comparado a antigas catedrais — símbolo das crenças e ideais puros que, no final, são destruídos pelo próprio eu-lírico. Trata-se de um auto-iconoclasmo, uma ruptura com a fé no amor, na transcendência e nos valores elevados. É um poema de crise, em que o sagrado interior é demolido pelo desencanto.

4. Vozes da Morte

Vozes da Morte
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!

Aqui, o poeta dialoga com uma árvore — o tamarindo — numa despedida melancólica. Ambos, árvore e homem, envelhecem juntos e se preparam para morrer. No entanto, o fim traz uma promessa: as sementes da árvore continuarão a existir, espalhando sua memória. É um raro momento de ternura e aceitação da continuidade através da natureza.

5. O Morcego

O Morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Neste soneto, o morcego que invade o quarto do poeta à meia-noite é metáfora da consciência. Por mais que se tente ignorá-la ou expulsá-la, ela sempre volta, imperceptível e inevitável. A cena, quase teatral, revela a angústia de lidar com o próprio pensamento — um tormento constante, associado ao grotesco.

6. O Deus-Verme

O Deus-Verme
Fator universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme – é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão…

Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!

O verme é exaltado como uma divindade irônica: ele reina sobre os cadáveres, indiferente à vaidade humana. O poema critica a ideia de transcendência e reforça a visão de que tudo retorna à matéria. A linguagem combina precisão científica e imagética grotesca, criando um retrato incômodo da decomposição como destino final.

7. Budismo Moderno

Budismo Moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e… corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!

Neste soneto, o poeta aceita com naturalidade a destruição do corpo, comparando a vida a uma célula caída e sem função. Mas há uma exceção: ele deseja que suas saudades — suas memórias e afetos — fiquem eternizadas no “último verso”. O poema expressa um niilismo lúcido, suavizado pela crença na permanência da arte.

8. O Poeta do Hediondo

O Poeta do Hediondo
Sofro aceleradíssimas pancadas
No coração. Ataca-me a existência
A mortificadora coalescência
Das desgraças humanas congregadas!

Em alucinatórias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultra-inquisitorial clarividência
De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no cérebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto…

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!

Aqui, Augusto dos Anjos assume explicitamente sua identidade poética: a de alguém que canta o feio, o morto, o desconforto humano. Ele descreve uma mente atormentada e uma sensibilidade extrema, transformando a própria dor em matéria poética. É quase um manifesto sobre sua missão como poeta do que é desprezado.

9. A Lágrima

A Lágrima
Faça-me o obséquio de trazer reunidos
Cloreto de sódio, água e albumina…
Ah! Basta isto, porque isto é que origina
A lágrima de todos os vencidos!

– “A farmacologia e a medicina,
Com a relatividade dos sentidos,
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secreção divina”
– O farmacêutico me obtemperou. –
Vem-me então à lembrança o pai Yoyô
Na ânsia física da última eficácia…

E logo a lágrima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farmácia!

Neste soneto dialogado, Augusto dos Anjos confronta ciência e sentimento. O eu-lírico pede ao farmacêutico os elementos químicos da lágrima (água, sal e albumina), tentando racionalizar a emoção. Mas o farmacêutico admite que a ciência não compreende a “secreção divina”.

Só quando o poeta se lembra do pai doente é que a lágrima verdadeira brota, revelando que a dor genuína, a saudade, vence a ciência. O poema é uma homenagem à memória afetiva e um elogio à emoção como fonte da poesia. Mistura erudição científica e ternura familiar com rara habilidade, mostrando que, embora racional, Augusto dos Anjos não é desprovido de sensibilidade.

O impacto literário e emocional da obra de Augusto dos Anjos

Inicialmente rejeitada, a obra de Augusto dos Anjos é marcada pelo pessimismo, linguagem científica e lirismo existencial e rompeu com os padrões de sua época. Sua estética do hediondo, centrada na morte, na decomposição e na dor humana, revelou-se uma forma de expressão poética. Ao transformar o grotesco em arte e dar perenidade à memória por meio dos versos, o autor garantiu sua imortalidade literária.

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