Pra quem pensa que sofrência é coisa de agora, está muito enganado! Chico Buarque já se lamentava de amor lá em meados dos anos 60.
Em 1966, no primeiro álbum de sua carreira, Chico Buarque – um dos maiores nomes da história da música brasileira de todos os tempos, então com 22 anos – lançava o primeiro álbum de sua carreira: “Chico Buarque de Hollanda”, aquela da capa que virou meme, sabe?
O álbum conta com diversos sucessos importantíssimos da carreira do cantor e compositor carioca como “A Banda” – canção que revelou Chico para o grande público, ao vencer o II Festival de Música Popular Brasileira naquele mesmo ano de 1966 – “Pedro Pedreiro” e “A Rita”, música sobre a qual vamos falar hoje.
Em “A Rita”, Chico narra o sofrimento e os lamentos de um homem abandonado pela “Rita”:
“A Rita levou meu sorriso
No sorriso dela
Meu assunto
Levou junto com ela
E o que me é de direito
Arrancou-me do peito
E tem mais
Levou seu retrato
Seu trapo
Seu prato
Que papel!
Uma imagem de São Francisco
E um bom disco de Noel
A Rita matou nosso amor
De vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não
Mas causou perdas e danos
Levou os meus planos
Meu pobres enganos
Os meus vinte anos
O meu coração
E além de tudo
Me deixou mudo
Um violão”
Acontece que, apesar de o eu-lírico da canção de Chico Buarque estar sofrendo por sentir o abandono, o desprezo e até uma suposta frieza na da mulher amada, pode ser que ele não seja tão bonzinho ou tão vítima assim como parece.
Em seu livro “Chico com Todas as Letras”, lançado em 2021, o escritor Dimas Lamounier analisa:
“Noel [Rosa] cantou a malandragem carioca, a noite, as mulheres e compôs belos sambas e choros. Chico, já naquela época, seguia esse caminho traçado pelo ‘Poeta da Vila’. O personagem masculino de ‘A Rita’ tem muito do temperamento descontraído e irresponsável do malandro, que entra em conflito com sua mulher pragmática, ativa e decidida. Tudo indica que era uma vida de contrastes e ambiguidades. A mulher ativa e o homem passivo, dicotomia de comportamentos que corroíam a relação. É nesse contexto de desentendimento que Rita resolveu ir embora, levando suas coisas e abandonando o que não lhe dava prazer. E mesmo com tamanhas perdas, o cantor narrador não toma atitude alguma para evitar a saída da moça. Apenas reclama, em forma de um lindo samba.”
Parece que foi algo similar a isso que a cantora e compositora mineira Ana Carolina pensou quando – quase 50 anos depois do lançamento da canção de Chico, compôs a “Resposta de Rita”, música lançada em seu álbum “#AC”, de 2013, com a participação de Chico Buarque, que parece ter gostado da iniciativa corajosa da cantora.
Na canção de Ana, Rita finalmente dá uma resposta certeira para as reclamações, lamentos ou até acusações que o tal rapaz fez sobre ela lá em 1966:
“Não levei o seu sorriso
Porque sempre tive o meu
Se você não tem assunto
A culpada não sou eu
Nada te arranquei do peito
Você não tem jeito faz drama demais
Seu retrato, seu trapo, seu prato
Devolvo no ato pra mim tanto faz
Construí meu botequim
Sem pedir nenhum tostão
A imagem de São Francisco
E aquele bom disco estão lá no balcão
Não matei nosso amor de vingança
E deixei como herança um samba também
Seu violão nunca foi isso tudo
E se hoje está mudo por mim tudo bem”
