Silêncio, 12 em campo, vazio e indiferença: a noite que resumiu o ano do Santos

SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – A poucos metros dos portões 7 e 8 da Vila Belmiro, Zito aponta para o infinito. A estátua do grande capitão da história reproduz o que ele fazia em carne e osso na era dourada dos anos 1950 e 1960. Liderar, dar ordens e oferecer caminhos.

Isso é tudo o que o Santos parece não ter mais. Liderança e direção.

“Eu estou em frente à estátua. Não se preocupa. Você vai me achar fácil. Não tem ninguém aqui”, fala, ao telefone, o comerciante Ricardo Montenegro, 44. Ele tem razão. O local que é referência para amigos que querem se encontrar antes das partidas, está vazio.

Em uma das noites mais melancólicas do clube nas últimas décadas, com estádio deserto e debaixo de chuva fina tão persistente quanto chata, o Santos empatou nesta quinta-feira (29) em 0 a 0 com o Blooming-BOL, em sua despedida da Copa Sul-Americana.

Era a estreia do técnico gaúcho Paulo Turra, que substitui o gaúcho Odair Hellmann, contratado por indicação do gaúcho Luiz Felipe Scolari e sob a supervisão do coordenador de futebol Paulo Roberto Falcão, catarinense e ídolo maior do gaúcho Internacional.

“Eu não sei o que estou fazendo aqui. Sinceramente, não sei”, inconformava-se, antes da partida, Roberto, 37, que não quis dar o sobrenome ou sua profissão. Ele ficou dois minutos, cartão de Sócio Rei, o programa de sócio-torcedor do Santos, nas mãos, indeciso sobre o que fazer. Logo em seguida entrou no estádio com calma e sem enfrentar qualquer fila.

As duas equipes já estavam eliminadas no torneio de segunda linha do continente. O empate nesta quinta-feira (29) foi o primeiro ponto conquistado pelo Blooming na competição.

O Santos chegou à 11ª partida consecutiva sem vencer. A última vitória foi contra o Vasco, pelo Campeonato Brasileiro, em 14 de maio. Não se pode dizer que o time desde então entrou em uma espiral de queda porque não estava no auge antes disso. Mas é um período em que foi eliminado da Copa do Brasil, da Sul-Americana e entrou de verdade na briga contra o rebaixamento no Nacional.

A dois pontos do Z4, enfrentará fora da casa será o Cuiabá, no domingo (2), em confronto que pode ser encaixado no chavão de “jogo de seis pontos” na luta para evitar a queda.

O Santos não conquista um título de expressão desde 2016, quando foi campeão paulista.

“Já vi elencos péssimos no passado, nos anos 1980, por exemplo. As defesas eram ruins, mas no ataque aparecia um Paulinho McLaren… Esse time atual não faz nada na frente. Olha, se não cair neste ano, não cai nunca mais. Nunca vi a Vila tão vazia assim”, diz, sentado na arquibancada atrás de um dos gols, o representante comercial Alexandre Suassuna, 50, que acompanhava a partida ao lado da mulher Cristina.

“Eles não ligam para nada. Se ganhar, tem bicho e nem para isso estão ligando”, queixa-se, para dois integrantes da Torcida Jovem, Cosme Damião, presidente histórico do mais importante grupo de torcedores do Santos.

Em protesto, a organizada ficou a partida inteira sentada e em silêncio. Nenhuma manifestação de incentivo ou protesto. Quem fez barulho na quase vazia Vila Belmiro foram fãs do Blooming, recolhidos a um canto do estádio que antes era chamado, por causa de sua visão pouco privilegiada do campo, de “sócio-cachorro”.

O comportamento da Jovem fez parte de 90 minutos que encapsulam o mundo bizarro que o Santos, eliminado pelo terceiro ano consecutivo na fase inicial do Campeonato Paulista, vive em 2023.

Os xingamentos começaram aos 10 do primeiro tempo e o alvo preferencial foi o meia-atacante Lucas Barbosa, em parte porque ele era o que mais de próximo havia da equipe titular em campo. Todos os outros estavam no banco. Os brasileiros tiveram mais posse de bola, mas as melhores chances, à exceção do último lance da partida, foram dos bolivianos.

Por mais de um minuto, durante o segundo tempo, o Santos teve 12 em campo porque o volante Camacho não reparou que tinha sido substituído. O árbitro equatoriano Augusto Aragon também não viu.

O único momento que a torcida se divertiu foi quando o sistema de som do estádio anunciou o público: 11.565 pessoas. A reação geral foi de escárnio. Pouco depois veio a correção. Eram 2.891 pagantes.

O santista tem se acostumando a sensações de deboche. Em reunião recente do conselho deliberativo, o presidente Andres Rueda disse que o clube não ficaria fora da Copa do Brasil de 2024 (o torneio nacional mais lucrativo do calendário), mesmo sem conseguir classificação em campo, porque haveria um convite da CBF.

Ele já havia causado indignação ao afirmar que o elenco atual não deve nada a nenhum outro do país e Lucas Lima seria o meia que todas as equipes do país gostariam de ter. Pouco utilizado pelo Fortaleza em 2022, ele estava inativo em 2023. Isso até aparecer a proposta do Santos, equipe em que já havia atuado e que depois passou a zombar repetidas vezes enquanto estava no Palmeiras. Ao voltar à Vila, ele pediu desculpas.

No final do ano haverá eleição presidencial e não há nenhum candidato que se lançou oficialmente. Rueda tem direito a tentar a reeleição mas sinaliza que não o fará. Um dos possíveis nomes da oposição é Marcelo Teixeira, que oi mandatário entre 1992-1993 e de 2000 a 2009.

A atual administração se orgulha de estar “colocando a casa em ordem” e pagado dívidas desde o início, em 2021. “Não contrato ninguém sem ter certeza de que vou pagar”, disse Rueda à reportagem. Na primeira semana no cargo, ele descobriu que a agremiação havia sido excluída do Profut, o programa do governo federal de financiamento das dívidas fiscais.

Nem a rara chance atual de ver o Santos ao vivo mobilizou a torcida. Por causa de tumultos provocados após a derrota por 2 a 0 para o Corinthians no último dia 21, o clube foi condenado a atuar 30 dias sem a presença de seus torcedores, mesmo em jogos fora de casa. Marcelo Mendes, advogado da agremiação no julgamento, disse “aplaudir” a decisão do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) que definiu a sentença.

Os 11 em campo contra o Blooming tiveram sorte por a Vila estar vazia. Quase todos receberam sua parcela de vaias e xingamentos. Mesmo os que têm muito pouco a ver com a crise técnica atual, como o meia boliviano Miguelito, alvo de gritos xenófobos.

Apenas Vladimir se salvou das ofensas. As defesas do seu goleiro evitaram que o Santos fosse derrotado, um cenário comum nos últimos três anos, geralmente com João Paulo como titular.

Preocupado com o empate, Turra começou a colocar titulares em campo no segundo tempo: Soteldo, Rodrigo Fernández, Mendoza e Lucas Lima.

Este último foi quem teve a oportunidade de acabar com o jejum de vitórias e dar um começo positivo para o novo treinador, apesar do jogo insignificante para a tabela. Ele chutou na trave pênalti no derradeiro lance.

“A gente precisa é apoiar as meninas, não esses aí”, queixou-se, para um policial militar, torcedor que estava ao lado da grade de ferro atrás de um dos gols. O PM nada respondeu.

A equipe feminina está na semifinal do Brasileiro. Vai enfrentar o Corinthians em 26 de agosto, depois que a punição imposta pelo STJD tiver acabado.

A cobrança perdida por Lucas Lima foi a pá de cal. Calada, assim como entrou, a Torcida Jovem se levantou e foi embora, sem sequer vaiar.

Pior até do que a indignação é a indiferença.

ALEX SABINO / Folhapress

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