‘Os Rejeitados’ é comédia de Natal sobre melancolia das festas

FOLHAPRESS – “Os Rejeitados” é uma história de Natal, o que é um tanto inusitado para alguém como Alexander Payne. O diretor criou uma carreira rindo de personagens minúsculos, a exemplo de filmes cáusticos como “Eleição”, de 1999, e “Sideways — Entre Umas e Outras”, de 2004. Ou seja, seu estilo em nada se relaciona com a lógica de conforto que domina as histórias das festas de fim de ano.

Ao mesmo tempo, é exatamente por causa de seu método que o cineasta parece ideal a essa comédia, sobre três pessoas obrigadas a passar a época juntas em um colégio interno vazio. Esse desafio também é mais confortável do que parece —habituado a filmar pessoas que se isolam em suas manias e defeitos, Payne agora usa deste mesmo pretexto para unir três figuras do tipo.

O conforto transparece nas premiações. Depois de anos de elencos indicados, o diretor se aproxima do próximo Oscar com um filme favorito em duas categorias de atuação. As boas chances de Paul Giamatti e Da’Vine Joy Randolph, independente dos resultados, mostram que “Os Rejeitados” é no fundo bem aprovado —e com razão.

Parte do seu charme está em como a história estabelece os três protagonistas, cada um em uma posição diferente. Giamatti vive Paul, professor veterano bastante rígido que é escolhido para supervisionar os alunos deixados pelos pais no colégio durante as festas.

Paul é visto por todos como uma figura excêntrica, desde o comportamento irascível —cheio de termos polidos para insultar todos— até o estrabismo, com o olho funcional que muda de tempos em tempos. Ele ainda fede a peixe, mas o que não ajuda é o tratamento cruel com seus alunos.

Entre os poucos estudantes sob sua supervisão para as festas há Angus, que está na classe de Paul e de última hora vê frustrada a sua viagem com a mãe. O jovem é outra figura arisca, mas logo entendemos que sua pessoa difícil é consequência de algum problema com o pai.

O terceiro elemento é Mary, papel de Joy Randolph, chefe da cozinha do internato que escolhe ficar no lugar para viver o luto da perda do filho. O garoto, que estudava lá, morreu na Guerra do Vietnã e foi enterrado na escola pouco antes do recesso de fim de ano. Por isso, ela é tratada com distância pelos outros —mas a cozinheira até prefere, visto o quão pentelhos são os alunos.

O trio já vive uma situação desconfortável de convivência quando o acaso os obriga a estreitar os laços. Um pai, de repente, resolve resgatar o seu filho do colégio, e convida todos os outros alunos para sua casa. O único que não consegue autorização da família para viajar é Angus, e aí ele, Paul e Mary se veem sozinhos no lugar para o Natal.

A história então se guia pelos embates e a lenta aproximação dos três. Em especial Angus e Paul, que se detestam, mas descobrem ter muito em comum ao longo dos dias. Nessa hora ajuda um acidente na quadra em reforma do lugar, que os obriga a se tornarem cúmplices um do outro.

A premissa de “Os Rejeitados” se inspira na do francês “Merlusse”, filme de 1935 de Marcel Pagnol, mas a base do longa é Hal Ashby, lenda da Hollywood dos anos 1970 que sempre foi um norte para Payne. O diretor aqui refaz, do seu jeito, “A Última Missão”, de 1973 —também sobre três pessoas, todos militares, que se aproximam a contragosto em um momento delicado.

A lembrança de Ashby se impõe sobretudo em questão de imagem, que muitas vezes parece um longa perdido dos anos 1970. A fotografia do dinamarquês Eigil Bryld recria a estética granulada do filme analógico, e se apela com frequência a dissoluções de cenas —muito usadas em produções daquela época.

Há muita nostalgia nessa proposta, mas nela também se aspira aos ritmos lentos de Ashby, que gostava de esticar cenas. Payne é rígido demais na montagem para repetir o beabá de seu herói, e “Os Rejeitados” existe na lógica do corte, com poucos momentos reais de respiro. Como um professor diz logo na abertura, o texto aqui vem primeiro, e a música depois se adequa a ele.

Mas só o interesse do diretor por essa abordagem já ajuda o longa a se livrar das eventuais amarrações do roteiro, permitindo que se concentre nos personagens. O que é uma baita de uma vantagem, se considerar que a sua força está nos protagonistas e como eles vão formando uma conexão. O elenco, ótimo, também se dá bem com o maior espaço.

É por esse caminho que Payne deixa o saudosismo de lado e orienta a história das feridas daquelas pessoas, que vivem em torno de suas dores. Tudo isso revelado aos poucos entre os personagens, em detalhes que escapam entre uma ofensa ou outra. Como todas as comédias de Natal, “Os Rejeitados” navega por uma bela melancolia coletiva nas festas.

OS REJEITADOS

Avaliação Bom

Quando Estreia nesta quinta (11) nos cinemas

Classificação 16 anos

Elenco Paul Giamatti, Dominic Sessa e Da’Vine Joy Randolph

Produção Estados Unidos, 2023

Direção Alexander Payne

PEDRO STRAZZA / Folhapress

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