Peça de Leilah Assumpção dá voz e charme às mulheres com mais de 70 anos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu virei uma velhinha chique”, diz Leilah Assumpção ao abrir uma imensa gaveta na mesa de centro da sala de sua casa e mostrar que está lotada de bijuterias. Os acessórios enfeitam os braços, os dedos e o colo da dramaturga, pioneira em retratar no teatro a condição feminina, com suas conquistas e dilemas.

Aos 81 anos, ela não é apenas chique, mas também intelectualmente ativa. Passa horas no computador escrevendo e lendo jornais, atenta ao mundo e particularmente interessada no segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo.

Vota em Guilherme Boulos (PSOL) por causa da vice, a ex-prefeita Marta Suplicy (PT), amiga desde a época da FNM (Fenemê), a Frente Nacional da Mulher, que reunia intelectuais na década de 1970.

Leilah acaba de comemorar 55 anos de carreira com a estreia de sua peça teatral mais recente, “Mergulho no Mistério Dela”, a primeira inédita em cinco anos, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, desde segunda-feira (14).

A obra está inserida no repertório temático da representação feminina, dessa vez com o protagonismo de duas mulheres na faixa dos 70 anos, Cibele, uma filósofa aposentada, e Maiara, uma ex-atriz. Elas são interpretadas por Kate Hansen, 68, e Nicole Puzzi, 66.

No espetáculo, enquanto esperam o parto da primeira neta de Maiara, as amigas conversam sobre casamentos, cuidados com a saúde, cirurgias plásticas, solidão, sexo. É um diálogo sem moralismo ou pudor, entrecortado por disputas e afetos.

“Eu quis ir fundo na relação de duas amigas que se amam e se odeiam. Eu me joguei e não sabia onde isso ia dar”, conta Leilah.

A peça foi escrita antes da pandemia e oferecida a Kate Hansen quando a atriz procurou a escritora interessada em montar algo de sua autoria. Leilah indicou Marcelo Drummond, do Teatro Oficina, para a direção. Ela o conheceu por causa da convivência com o amigo Zé Celso Martinez Corrêa, com quem “quase” namorou.

O fundador do Oficina, morto em julho de 2023, estimulou o marido a aceitar o convite para dirigir a peça e sempre perguntava sobre os preparativos.

“Ela sabe falar muito bem com o espírito da classe média, coloca personagens muito interessantes nesse sentido”, analisa Drummond.

O diretor gostou da experiência de sair por um período do Oficina e realizar um trabalho diferente do que está acostumado a fazer no teatro de grupo: são apenas duas atrizes no palco e o espetáculo é mais convencional do que o realizado no teatro localizado no Bixiga.

Drummond acredita que o fato de ser gay e não ter uma visão machista do mundo ajudou na condução das duas mulheres. E tem o fato de Leilah ser fã dele.

“Ela diz assim: você está um gato, está lindo”, revela. “É legal porque ela é muito sexual, traz à tona isso”. Na peça, uma das personagens afirma que, na época em que era jovem, fazer sexo era um ato político.

Além da sensualidade, o diretor levou para a montagem também características do Oficina. Isso aparece, por exemplo, nas referências à contracultura e na celebração ao teatro.

Na apresentação para convidados, na quinta-feira (10), Kate e Nicole encerraram o espetáculo na plateia, ao lado de Leilah, em uma noite em que a dramaturga estava rodeada de amigos. Artistas ligados ao Oficina também marcaram presença.

A dramaturga aborda o envelhecimento das mulheres sem preocupação com as mensagens positivas sobre a “melhor idade”. Apesar disso, as protagonistas mantêm o apetite pela vida, o charme e, também, a rivalidade que as alimenta.

“É uma comédia de costumes, trabalhada de forma inteligente e com humor”, diz Kate.

As duas atrizes conviveram pouco ao longo das trajetórias profissionais, mas têm em comum o passado de musas do cinema nacional, da TV e do teatro e o fato de os filhos terem ficado amigos pela internet.

“Eu tenho orgulho de ter a minha idade. Sou feliz do meu jeito, indo a shows de rock, lutando politicamente”, afirma Nicole ao comentar o tema do espetáculo.

A atriz vivia um período sabático, em casa, cuidando dos seus cachorros. Porém, não resistiu ao convite para interpretar uma personagem de Leilah.

Entre os sucessos da escritora estão marcos do teatro brasileiro, como “Fala baixo senão eu grito” (1969), a peça de estreia, e “Intimidade Indecente”, em cartaz há 22 anos, um grande sucesso de público que faz dela uma dramaturga bem remunerada.

“Fala baixo”, vencedora dos prêmios Molière e APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), tinha Marília Pêra no papel de Mariazinha, uma mulher que mora em um pensionato de freiras e revela suas frustrações a um ladrão.

“Intimidade Indecente”, protagonizada por Marcos Caruso ao lado de atrizes como Irene Ravache, Vera Holtz e Eliane Giardini, mostra as afinidades e desavenças de um casal até o envelhecimento. O espetáculo vai virar filme dirigido por Bruno Barreto.

Leilah é feminista e diz ter orgulho do pioneirismo como escritora que não imita estilo e os temas masculinos. Mas não gosta do ativismo radical. Rejeita os grupos de mulheres que querem “tirar o homem de campo”.

“O homem é nosso companheiro, pai de nossos filhos. Acho que o feminismo é lutar pela igualdade de oportunidades”.

O percurso de resistência incluiu enfrentar a censura durante a ditadura militar. Em “Fala baixo”, os censores queriam que o personagem masculino substituísse a palavra gozar por clímax. A escritora não aceitou, explicou que a palavra ficaria deslocada na boca do ladrão invasor do pensionato. Com o argumento, conseguiu liberar o texto original.

Em outra ocasião, implicaram com a palavra brigadeiro, como se fosse uma provocação aos militares. Leilah perguntou sobre o doce preferido do censor e aceitou trocar brigadeiro por baba de moça.

“Eu vestia uma roupa do Dener e ia brigar. Ia a Brasília para discutir meus textos, insistia até conseguir”, conta a ex-modelo do famoso costureiro.

Leilah segue irreverente, na dramaturgia e na vida. Coleciona bengalas que a ajudam na mobilidade e combinam com as roupas e terminou a entrevista à Folha falando sobre a boa relação que mantém com o ex-marido, Walter Appel, e com a namorada dele. “É um casamento a três”, brincou.

MERGULHO NO MISTÉRIO DELA

– Quando De 14 a 31 de outubro de 2024 Segunda a quinta-feira, às 18h30

– Onde Teatro Sérgio Cardoso – Sala Paschoal Carlos Magno (Rua Rui Barbosa, nº 153, Bela Vista, São Paulo)

– Preço Inteira R$ 60,00 |Meia-entrada R$30,00 – Sympla

– Classificação 12 anos

– Autoria Leilah Assumpção

– Elenco Kate Hansen e Nicole Puzzi

– Direção Marcelo Drummond

CRISTINA CAMARGO / Folhapress

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