O uso de soluções orais para reidratação, um remédio eficaz, seguro e barato contra diarreia infantil, ainda é baixo em todo o mundo. Complicações causadas pela condição, que poderiam ser evitadas com o uso do medicamento, levam meio milhão de crianças a morte todos os anos, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Para tentar entender porque as prescrições das soluções são baixas em todo o mundo, pesquisadores da USC (Universidade do Sudeste da Califórnia) conduziram um estudo na Índia para identificar os principais motivos que levam à baixa adesão, principalmente em países de renda baixa, que concentram os casos de hospitalização e morte por diarreia infantil.
De acordo com os autores, são três as causas principais: a percepção errada de profissionais de saúde e provedores do cuidado de que os pais têm preferência por outros tratamentos, como antibióticos e vacinação (42%); falta de estoque do produto nas clínicas (6%) e questões financeiras (5%).
“É um tratamento barato e eficaz, mas apesar de estar disponível, muitos médicos ou profissionais de saúde não o prescrevem, e, como resultado, as crianças estão morrendo. O que descobrimos, surpreendentemente, é que o que mais importa é o que os médicos acham que os pacientes querem ou não”, diz Neeraj Sood, autor principal do estudo e pesquisador da USC.
A solução é disponibilizada como um pó, deve ser diluída em água e tomada em pequenos goles ao longo do dia ou em intervalos de duas horas, explica o pesquisador. Um dos motivos para os cuidadores não expressarem seu desejo de receber a solução oral é o receio de contestar a opinião de um médico ou provedor, ou por não se sentirem confortáveis.
“Quando você realmente pergunta ao pai ou cuidador de forma aberta se acreditam ser uma boa opção, a maioria dos pacientes concorda com essa afirmação”, afirma Sood.
Os médicos estimam que, em geral, 18% dos pais e cuidadores preferem as soluções orais como tratamento contra a diarreia em crianças de até cinco anos de idade. Um índice ainda menor, de 16%, se refere aos pais e cuidadores que expressam o desejo pela solução oral. Quando indagados sobre suas preferências, porém, esse índice vai para 48%.
Cerca de 9 em cada 10 (86%) profissionais de saúde afirmam que as solucões orais para reidratação são o método mais eficaz de tratamento para a diarreia e a prescreveriam com mais frequência.
O estudo foi publicado na última quinta-feira (8) na revista Science.
As diarreias infantis podem acontecer por diferentes patógenos, mas cerca de um terço (33,5%) tem como principal agente etiológico o rotavírus, um tipo de vírus com circulação comum e de contágio elevado, principalmente em ambientes escolares. A principal forma de prevenção é a vacinação antes dos seis primeiros meses de vida.
À Folha, o autor correspondente do estudo, Zachary Wagner, pesquisador do departamento de Economia, Sociologia e Estatística da Rand Corporation, em Santa Monica, afirma que a pesquisa, conduzida em alguns municípios da Índia, pode ser extrapolada para outros locais de renda média e baixa com alta carga da doença, desde que feitas algumas observações.
“Embora a situação em outros países com alta carga de diarreia infantil seja semelhante, os motivos que levam ao baixo uso das soluções orais não são os mesmos, pois podem ter outros fatores, como a maior assistência no serviço público do que privado [cerca de três quartos dos atendimentos de crianças com diarreia na Índia são em consultórios particulares]. Portanto, esperamos que nossos resultados sejam extrapolados para outros contextos, [mas] com cautela”, afirmou.
Por fim, os autores concluem que por ser uma solução que está no mercado há mais de 40 anos e de baixo custo, tanto para produção quanto para venda, é importante reforçar o papel dos profissionais na prescrição de tratamentos eficazes.
“Às vezes, os provedores vão procurar prescrever um medicamento mais caro e ineficaz, como antibióticos no caso de diarreias causadas por vírus”, completam.
ANA BOTTALLO / Folhapress