Sabe aquela história de “até que a morte nos separe”? Na saúde, na doença? Na alegria, na tristeza? Frases nem sempre verdadeiras mas que traduzem um sentido claro: paixão. Balzac dizia que o amor é a única paixão que não admite nem passado e nem futuro. Falo isso porque busco uma ponte entre o amor e a paixão clubística, sim, aquela que o sujeito nutre por um determinado time de futebol e da qual ele não sabe a origem e a consequente seiva que o mantém vivo.
O time é o filho estranho que não veio de um casamento, mas de um ventre desconhecido porém acolhedor e poderoso. O amante do futebol é o pai míope, que não enxerga o filho nos seus detalhes, mas ama e perdoa incontestavelmente. O que hoje é amor, amanhã é ódio mutante, num tabuleiro de peças que se anulam, cuja lógica é nunca ter lógica.
Nesta semana, comercialinos protagonizaram um espetáculo dantesco que me fez refletir sobre a teoria do amor e da paixão pelo clube. Me lembro quando o Corinthians, e sempre ele, estava à beira da queda para a série B do Campeonato Brasileiro e seu torcedor lotava os estádios, gritando freneticamente, fazendo verdadeira a frase que tratava-se de uma torcida que tinha um time e não um time que tinha uma torcida. O incentivo é o pagamento tácito que estimula o milagre, acende a chama e até pode transformar. No caso do Corinthians não transformou, o time caiu. Houve choro, lamento, apupos, gritos de ordem, tudo que cabe a quem ama e se apaixona. No entanto não houve, em nenhum momento, o abandono.
Quem ama o time sabe que o perdão é o trevo que leva à conquista. Pouco importa se dirigentes erraram, se os jogadores são fracos, a desorganização é visível, pouco importa se a queda será iminente, se a vergonha momentânea tomará conta, pouco importa. Antes de mais nada e, acima de tudo, existe o time, a agremiação que nutre a paixão, o sentido sem sentido de existir.
Pouco mais de duzentos torcedores estiveram presentes ao estádio, no dia do jogo da queda. Havia o silêncio, não aquele do vazio espacial, mas o vazio da alma. Fiquei imaginando o que pensavam os atletas naquele momento- se quem ama o time não está aqui, porque eu tenho que correr por eles?
Alguns aplaudiram o ato de protesto, como bandeira política. Ledo engano. Não estamos falando de costuras administrativas e picuinhas de responsabilidade. Estamos falando de paixão. De história.
Ninguém aguenta tanta humilhação, bradavam os arautos do apocalipse. A cantilena deveria ser exatamente o oposto. Humilha-se aquele que cede e não o que luta. Humilhados estão os que não foram ao estádio, os que guardaram o grito para protestar em silêncio. Humilhados estão aqueles que não se apresentaram para a batalha. É assim que os times encerram as suas vidas. O Paulistano da cidade de São Paulo foi um dos grandes campeões paulistas, onde está agora? Foi o time que consagrou Arthur Friedenreich, considerado o maior jogador do mundo, antes de Pelé. O Paulistano é apenas um quadro na parede, parafraseando Drummond.
O Comercial não será nunca apenas um quadro na parede, embora tanta gente faça força para que isso aconteça. O torcedor alvinegro está longe de ser uma peça de sala, como um sofá parado no tempo. A história centenária de sua gente não pode ser maltratada pelos seus próprios pares. Dirigentes, e não importa se bons ou ruins, se despreparados ou vividos, se erráticos ou não, estes passarão, mas o Comercial precisa continuar e serão os apaixonados de arquibancadas, os que amam sem passado ou futuro, os grandes responsáveis pelo alicerce que mantém erguido o time.
O exemplo corintiano serve como testemunho, sempre. No ano seguinte à queda, o time voltou mais forte, mais competitivo e campeão. A humilhação deu lugar ao êxtase. Por isso, o futebol é paixão, porque não cabe a desistência. Fernando Sabino, o grande cronista brasileiro, tem uma frase lapidar: “fazer da queda, um passo de dança”.