Você atravessaria o oceano por um sonho?

Sidney Rocha
Sidney Rocha
Professor de história e geografia, nascido e criado em Campinas e apaixonado pela cidade. Com uma formação acadêmica complementada pela vivência nos diversos estratos sociais que compõem nossa rica região, gosto de contar histórias que encantem e levem à reflexão em busca de um mundo mais saudável para todos os aspectos da experiência humana. Convido você a acreditar que conhecer os fatos do passado faz parte da nossa jornada pela vida, afinal recordar é viver.

Milhões de negros foram trazidos em navios negreiros da África até aqui e durante séculos serviram de braços e pernas para as produções agrícolas do Brasil. Primeiro, eles foram utilizados como mão de obra para as plantações de cana de açúcar, depois, passaram a produzir o ouro verde que fez de Campinas e região um dos maiores e mais respeitados centros de produção de cultura, tecnologia e recursos financeiros para o país todo. Foi com o negro que o café tornou-se a potência econômica indiscutível dos anos 1800.

O século XIX, contudo, foi um tempo de grandes transformações e que levou a sociedade toda a fazer diversos questionamentos em todos os setores, de política a economia, de liberdades religiosas a direitos civis, de descobertas científicas a mudanças em padrões de comportamento, tudo foi questionado durante os anos 1800. Tudo, inclusive a vantagem de manter o regime da escravidão funcionando por mais tempo, afinal o mundo estava vivendo a era da revolução industrial e as máquinas já começavam a substituir a mão de obra humana de maneira bastante intensa e compensadora. Além disso, as inúmeras rebeliões escravas e os posicionamentos de intelectuais, políticos e jornalistas da época começavam a denunciar que o fim daquele sistema funesto estava se avizinhando.

Foi em 1847 que o senador Vergueiro (aquele que dá nome para uma estação de metrô em São Paulo) começou a trazer alemães e suíços para sua fazenda próxima de Campinas para substituir a mão de obra escrava.

Pouco tempo depois, em 1852, foi a vez de Joaquim Bonifácio do Amaral, o Visconde de Indaiatuba, que começou a trazer imigrantes alemães para sua fazenda, Sete Quedas. Este parecia ser um novo começo para a produção agrícola no Brasil e de fato durante muitos anos levas de imigrantes europeus das mais diversas nacionalidades aportaram em terras brasileiras. Nos aponta o historiador Eduardo Bueno em excelente trabalho de pesquisa que, entre 1881 e 1930 chegaram cerca de 5 milhões de imigrantes em todo o Brasil. Se considerarmos que em fins do século XIX nossa população total mal chegava aos 20 milhões, teremos uma boa noção do que significavam estes números.

É afinal, neste contexto que surge em Campinas o bairro de Friburgo, fruto da vinda de 34 famílias que chegaram a bordo de 2 navios no final da década de 1850.

Imigrantes do norte da Alemanha, que na época ainda não era o país unificado que conhecemos hoje, a primeira leva de colonos chegou a bordo do navio Bussole e a segunda veio a bordo do Johan Elisabeth.

Essas famílias foram instaladas justamente na fazenda Sete Quedas, apontada pela literatura como modelo de colonato que deu certo.O grifo nesta expressão é de propósito para assinalar que os colonos, sentindo-se enganados, queixavam-se de trabalho análogo a escravidão e de falta de recursos mínimos para sua sobrevivência. Diversas revoltas e greves ocorreram neste período e até mesmo fugas de colonos, deixando os fazendeiros em franco estado de desespero.

O Visconde de Indaiatuba, por sua vez, alegrava-se em dizer que seus colonos eram felizes e saiam satisfeitos de sua fazenda com lucros reais nos bolsos.

Eu, curioso que sou para entender a história, ainda estou tentando encaixar os relatos dos filhos dos filhos destes colonos felizes na formação do bairro Friburgo. Explico o porquê.

Todo descendente dos fundadores desta colônia alemã em Campinas conhece a história do senhor Frederico, alemão pertencente a este grupo de 34 famílias que abandonou a enxada e avisou aos seus compatriotas que “-Se eu não voltar em 40 dias, por favor cuidem de minha família.” Andando sem rumo certo em direção ao pôr do sol, depois de alguns dias encontrou o um terreno fértil que logo negociou para comprar junto com os colegas de colonato. O senhor Frederico estava fugindo da Europa em busca de um sonho e aqui, precisou novamente fugir para ver este sonho se realizar. Era um sonho simples, de trabalhar e sustentar sua família, sem precisar apanhar do chicote do feitor, que mal distinguia um operário de um escravizado. Sim, há relatos de violências deste nível contra os imigrantes. Foi assim que os primeiros anos da década de 1860 abrigaram os primeiros alemães do bairro Friburgo em Campinas.

O prédio, levantado por eles em 1879 ainda está de pé e foi tombado pelo Condepacc. A escola, que durante mais de um século educou seus filhos, existia até bem pouco tempo atrás e hoje as festas típicas de suas origens ainda são realizadas duas vezes por ano para não deixar que a história caia no esquecimento.

Essas pessoas cruzaram o oceano em busca de um sonho, que se tornou realidade bem aqui, nos limites de Campinas, próximo de Indaiatuba.

Mas essa história ainda está longe de terminar, porque afinal, nossa cidade ainda não tem nem 250 anos, não é mesmo?

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