A despedia final em uma Campinas antiga

Sidney Rocha
Sidney Rocha
Professor de história e geografia, nascido e criado em Campinas e apaixonado pela cidade. Com uma formação acadêmica complementada pela vivência nos diversos estratos sociais que compõem nossa rica região, gosto de contar histórias que encantem e levem à reflexão em busca de um mundo mais saudável para todos os aspectos da experiência humana. Convido você a acreditar que conhecer os fatos do passado faz parte da nossa jornada pela vida, afinal recordar é viver.
Imagem: Rota das Bandeiras

Campinas evoluiu muito nos últimos duzentos e cinquenta anos. Evoluiu em todos os sentidos, mesmo. De ruas de terra sem calçamento a estradas de rodagem que servem de corredor do Mercosul, de carroças a aviões em seus aeroportos, tudo aqui mudou muito desde o início da colonização da região. Quem ressuscitasse depois de longos dois séculos de sono profundo, provavelmente julgaria estar em outro lugar. Vamos imaginar alguém, por exemplo, que retornasse do mundo do além ali pelas imediações da igreja Catedral, bem no coração da cidade. Provavelmente essa pessoa diria, em tom assustado “-Isso tudo aqui era mato.” Segundo dizem, ali existia uma fauna variada, com a presença massiva de veados andando por entre um enorme bosque cheio de árvores. Talvez por essa razão tenha existido uma grande loja na rua Dr. Quirino(que na época se chamava rua do comércio) com o nome de Loja do Veado. E o que dizer dos antigos moradores dos cortiços no bairro Cambuí? Sim, pois esse local tão badalado pela população mais abastada da cidade já foi esconderijo de negros libertos, imigrantes pobres e bêbados boêmios que amavam frequentar a rua da Pinga, quer dizer, a rua Santa Cruz. E os mortos, onde eram sepultados em Campinas nos anos 1800 ?

Já falamos em outra ocasião que as pessoas na época, muito católicas, faziam questão do sepultamento dentro das igrejas, até que a legislação passou a proibir essa prática por questões sanitárias. Lá pelos idos de 1860 passaram então a sepultar os mortos na região onde hoje estão o teatro Castro Mendes, a igreja Universal do Reino de Deus, o banco Itaú, os fundos da estação cultura… Era ali que o último adeus era dado, inclusive para os protestantes que também tinham seu último quinhão de terra garantido para descanso de seus restos mortais.

É curioso pensar que o local onde hoje a vida floresce, já foi palco do fim da existência terrena de tantas pessoas de nossa cidade.

Diferente dos tempos de hoje, as pessoas eram amortalhadas para a última despedida, quer dizer, não havia caixões. Envoltas em um lençol, eram conduzidas pelas ruas em respeitoso ato de honraria. Claro, havia aqueles que eram levados às escondidas e abandonados próximo dos cemitérios para que se evitasse pagar as custas do enterro…

Em situações normais, o cortejo seguia firme até o fim e caso tivesse que parar em algum ponto para descanso dos carregadores ou mesmo para algum ajuste necessário, a única preocupação seria com a casa em frente onde houvesse a parada, já que acreditava-se que daquela casa sairia o próximo préstito. Terrível sina morar no caminho dos cortejos!

Essa rota mudou a partir de 1881 quando foi inaugurado o cemitério do fundão e os sepultamentos foram proibidos na região que hoje chamamos de rua João Jorge. Foi por essa época, mais ou menos que alguém resolveu que seria uma boa ideia alugar um caixão para transportar o defunto até o local de despedida. Há um caso famoso de um caixão carregado que caiu do veículo que o transportava bem no meio da rua Francisco Glicério, mas isso vamos contar em outro momento. Por agora, interessa comentar que os primeiros caixões eram alugados e reutilizados depois do honroso transporte.

E o cemitério da avenida João Jorge, ainda está lá?
Em 1889 começaram a ser retiradas as sepulturas daquele lugar e transferir para o cemitério do Fundão, por isso( esperamos!!) não há mais corpos ali.

Esse poderia ser o final da história, mas o assunto é bem mais extenso do que isso, já que na esquina das ruas Francisco Glicério e General Osório também havia um cemitério.

Já para os escravizados, o endereço era outro: Perto do hospital Casa de Saúde, onde hoje está a igreja de Santo Antonio.

Ah, tem ainda o cemitério dos alemães, que foi construído porque era impraticável vencer a distância a tempo de honrar o ente querido falecido. Este fica em Campinas, mas bem distante para lá da Rodovia Anhanguera, mas é matéria para uma outra discussão.

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTICIAS RELACIONADAS