A morte é só um caminho para a vida eterna

Sidney Rocha
Sidney Rocha
Professor de história e geografia, nascido e criado em Campinas e apaixonado pela cidade. Com uma formação acadêmica complementada pela vivência nos diversos estratos sociais que compõem nossa rica região, gosto de contar histórias que encantem e levem à reflexão em busca de um mundo mais saudável para todos os aspectos da experiência humana. Convido você a acreditar que conhecer os fatos do passado faz parte da nossa jornada pela vida, afinal recordar é viver.

O que fazer para viver em paz frente à realidade da morte?

Essa não é uma pergunta atual, muito menos recente.

Já desde o primeiro romance conhecido pelo mundo ocidental, a saber, “A epopeia de Gilgamesh” essa pergunta procura ser respondida da maneira mais sábia possível.

Conta-nos o autor deste épico universal que o grande rei de Uruk, perto de quatro mil anos antes de Cristo viajou pelos confins dos mundos dos vivos e dos mortos à procura da resposta certa para se encontrar a paz frente à finitude da vida.

Para os cristãos evangélicos, a resposta é bastante simples: Basta uma oração de arrependimento mesmo na hora da morte e imediatamente seu espírito será transportado para uma dimensão celestial na presença do próprio Deus Criador e seus santos anjos. Já para os católicos, pelo menos para os católicos que fundaram nossa cidade, cerca de dois séculos e meio atrás, é de suma importância que um padre ouça sua última confissão em um dos sacramentos conhecido como “A unção dos enfermos” ou seria “extrema unção”?
Independente do nome pelo qual este sacramento é conhecido, ele pode ser a resposta final para dar paz ao moribundo que agoniza despedindo-se deste mundo de dores e lágrimas.

Coloque-se no lugar de um fazendeiro das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí, na segunda metade do século 18 e imagine o momento em que essa pessoa sente o peso desta vida desvencilhando-se de seu corpo, a escuridão da noite eterna chegando, o frio invencível a começar pelos pés e os seus olhos contemplando a porta fechada, na esperança de que um sacerdote logo virá com a última oração e as palavras benditas “Filho, seus pecados estão perdoados.”

Na derradeira hora, tudo o que um bom filho desta terra podia esperar seria receber a benção da Igreja, concedendo-lhe a paz e o descanso eternos.

Mas aqui não existiam padres, então o nosso personagem fazendeiro de dois parágrafos acima morreria como tantas dezenas de pessoas aqui morreram: Em agonia, sem paz e esperando as torturas do além para sempre.

Claro, para se entender a história, é preciso entender como as pessoas pensavam na época em que a história se passou.

Estamos agora no ano de 1774, no dia 14 de Julho e temos o bom frei Antonio de Pádua rezando uma missa na mesma praça onde hoje multidões se reúnem para beber e conversar quase todas as noites da semana.

Assim como hoje, naquele dia também houve alegria neste povoado, agora finalmente haveria por aqui um padre, alguém com autoridade para dar descanso às almas cansadas da lida desta jornada que chamamos de vida.

Mas para além de uma benção especial do padre, era ainda necessário que se encontrasse um meio de garantir que a santidade dos santos intercessores falasse mais alto por aqueles homens e mulheres piedosos.

Como resolver isso? Como encontrar um meio ainda mais chegado aos santos por toda a eternidade?
Essa equação foi resolvida com facilidade sepultando estes tementes cristãos dentro da própria igreja.

Quem entra pela porta da frente da Igreja do Carmo pode ver, logo à sua direita um memorial que lembra uma lápide.

Neste memorial está escrito o nome do fundador de nosso município: Francisco Barreto Leme.

Ele mesmo está sepultado ali, assim como sua esposa e alguns de seus descendentes.

Não se sabe ao certo onde está o seu corpo dentro da nave do templo, mas sabe-se que junto dele estão ainda outros diversos primeiros povoadores da cidade.

Estar sepultado dentro da igreja, próximo dos santos, encostado no altar, depois de ter recebido a benção do padre, para aquele povo não haveria garantia melhor de que a morte não seria outra coisa senão um caminho para a vida eterna.

Este artigo, claro, não se destina a descortinar os mistérios que rondam tão profundo tema, mas tão somente a compreender a sociedade que formou a nossa sociedade.

Era assim que pensavam as pessoas antes de nós e é assim que a nossa cidade foi construída, por gente que acreditava de verdade que a sepultura dentro da igreja seria um grande conforto em prol de sua salvação eterna.

Com o tempo, ainda no século XIX veio a proibição das sepulturas dentro das igrejas e as construções e ampliações dos cemitérios.

É curioso notar que a cultura foi se modificando a tal ponto que os mesmos cristãos que faziam questão da sepultura dentro da igreja, algumas gerações depois insistiram para que os cemitérios próximos do centro da cidade fossem removidos para o mais longe possível.

Tão longe foi essa iniciativa que acabaram por construir um cemitério no bairro do Fundão, atual Saudade, e foi para lá que transferiram as sepulturas dos que estavam enterrados nos locais onde hoje comemos em restaurantes e estudamos em escolas.

Bem, mas isso é assunto para um outro momento.

Meu muito obrigado por você ter lido até aqui e se me permite um conselho:

Faça amizade com o Criador em vida, talvez este seja um santo remédio para curar muitas agonias na alma.

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