Grupos de WhatsApp eram utilizados para comandar ações da facção criminosa Comando Vermelho (CV), revelam mensagens obtidas pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). Os prints dessas conversas foram anexados em denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) no âmbito da Operação Contenção, que deixou cerca de 120 mortos e foi considerada a ação policial mais letal do estado.
Nos diálogos obtidos pela polícia, chefes do tráfico repassavam instruções, decidiam estratégias e monitoravam a rotina do principal líder da facção, Edgar Alves de Andrade, o Doca, foragido há sete anos. Integrantes próximos ao chefe se revezavam na vigilância das comunidades e na administração dos negócios da organização criminosa. As provas incluem prints, fotos, vídeos e áudios trocados pelos próprios criminosos.
Além de Doca, compõem o alto escalão do CV: Pedro Paulo Guedes (Pedro Bala), Carlos Costa Neves (Gardenal), Washington Cesar Braga da Silva (Grandão).
Estrutura do grupo
Pedro Bala é apontado como a maior liderança do CV no Complexo da Penha, ao lado de Doca. Ele tem mais de 167 anotações criminais, incluindo homicídio, tráfico, roubo entre outros. Gadernal o chama de chefe nos registros em mensagens. “Ninguém dá tiro sem ordem do Doca ou do Bala. Vamo pegar a visão”, diz trecho de um dos registros.
Gardenal, descrito como responsável direto pela proteção de Doca, decide quem pode se aproximar da casa do chefe, conhecida como “Toca do Urso”, e controla quem entra nos grupos de WhatsApp da cúpula. Ele está acima de Grandão na hierarquia da facção.
“Rapaziada, pegar a visão aqui aqui no portão do pai, ninguém entra armado aqui dentro da casa e ninguém entra sem autorização. Samuca e Tizil fica responsável aqui na porta”, diz Gardenal em uma das mensagens.
“Frisar bem o papo, não pensa com o coração e nem amizade. Isso é o crime”, diz outra mensagem de Gardenal.
Grandão, por sua vez, tem papel administrativo e é considerado o síndico. É ele quem passa recados, organiza escalas de plantão, trata de pagamentos e até comanda a produção de bailes funk ligados ao grupo. Nas redes sociais, mantinha um perfil com mais de 30 mil seguidores e realizava enquetes sobre os eventos da facção.
Os “soldados” do CV, como são chamados os integrantes de base, descrevem a todo momento suas rotinas nos chats, relatando patrulhas, informando a presença de viaturas e repassando ordens superiores.
Nas mensagens obtidas, os membros também discutem a prestação de contas da facção no grupo de WhatsApp. Em um registro, um homem identificado por Dilma fala que chegou um “menor” para pegar o pagamento de Belão do Quitungo, que foi preso na operação no Complexo do alemão. Outro fala em recolher os lucros de uma boca de fumo.
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Quem é Doca, principal alvo da operação
Com 273 anotações criminais e 32 mandados de prisão em aberto, Edgar Alves de Andrade, o Doca, é apontado como o mais influente líder do Comando Vermelho em liberdade. Sua única prisão ocorreu há quase 20 anos, após uma troca de tiros com policiais durante uma operação contra o tráfico. Ele resistiu a ação por horas, o que o fez ascender na hierarquia da facção, mesmo estando encarcerado.
A lista de crimes pelos quais Doca é procurado inclui tráfico de drogas, organização criminosa, tortura, extorsão, corrupção de menores e ocultação de cadáver.
Um relatório da da DRE descreve Doca como um chefe violento apontado por ordenar confrontos armados contra forças de segurança e estimular roubos de veículos e cargas. Na hierarquia da facção, ele está logo abaixo de Fernandinho Beira-Mar, preso há 24 anos, e Marcinho VP, preso há 31 anos.
Em 2021, Doca foi investigado sob suspeita de planejar o resgate de detentos de Bangu por helicóptero e é apontado como mandante do desaparecimento de três meninos em Belford Roxo, entre 2020 e 2021. Para o MP, ele autorizou a tortura e a morte das crianças, que teriam furtado um passarinho.
Doca é tido como discreto, mas, dentro da favela, vive com ostentação: gosta de ouro e de motos. Ele já foi citado em pelo rapper Oruam, em letras de funk que mencionam a “tropa do Urso”.
Há pelo menos uma década, Doca e Pedro Bala dividem o comando do tráfico na Vila Cruzeiro. Documentos da Justiça indicam que Bala assumiu a chefia da facção em 2015 e foi substituído por Doca no ano seguinte.
Mesmo após a mudança, os dois continuaram atuando juntos, liderando a Tropa do Urso, braço do CV que tenta expandir o domínio da facção. Uma das ofensivas ocorreu em agosto de 2022, quando o grupo tentou tomar o Complexo de São Carlos, região central do Rio, controlada pelo Terceiro Comando Puro (TCP).
Considerado o principal alvo da Operação Contenção, Doca segue foragido. O Disque Denúncia do Rio de Janeiro oferece uma recompensa de R$ 100 mil por informações que levem à sua prisão. O cartaz com sua imagem foi divulgado nesta quinta-feira (30).



