História da música “Alagados”, dos Paralamas do Sucesso

Celebrando 40 anos de história, Os Paralamas do Sucesso é uma das principais bandas da história da música brasileira. Hoje, vamos conhecer a história de um de seus maiores sucessos: a música “Alagados”, muito marcante no cenário da música brasileira, que atravessou várias barreiras e ampliou o conhecimento a respeito do trabalho da banda.

O que levou Os Paralamas a compor “Alagados”

Como já contamos algumas vezes, o início do caminho da banda Os Paralamas do Sucesso se deu quando Herbert Vianna e Bi Ribeiro moraram um tempo em Brasília por conta do trabalho de seus pais e se conheceram por lá na infância

Eles frequentavam a mesma roda de amigos e a casa um do outro. Em um certo momento, as duas famílias se mudaram para o Rio de Janeiro e Herbert e Bi se reencontraram quando faziam cursinho para vestibular e começaram a tocar juntos, muito influenciados pelo rock’n roll.

Um tempo depois, eles conheceram o carioca João Barone, que substituiu o baterista que tocava com a dupla, Vital (o da moto!), formando – oficialmente em 1982 – um trio que está junto até os dias atuais: a banda Os Paralamas do Sucesso.

Portanto, Os Paralamas é uma banda carioca, com absoluta influência do rock de Brasília. Eles tocavam inicialmente onde fosse possível, em todos os bares, em qualquer esquina, em qualquer cidade onde tivessem a possibilidade.

Bi Ribeiro, Herbert Vianna e João Barone | Imagem: Divulgação

No ano de 1985, depois de já terem lançado com bastante sucesso os seus dois primeiros discos – “Cinema Mudo” (1983) e “O Passo do Lui” (1984), eles passaram a ter uma rotina muito intensa de shows, se apresentando de norte a sul do país, inclusive na primeira edição do maior festival de música do Brasil, o Rock in Rio.

Desta forma, os integrantes da banda passaram a digerir as sutis (e também as gigantes) diferenças entre as cidades e os meios de vida de cada região do Brasil e a se dar conta de que o seu próximo trabalho não seria tão influenciado pelo rock britânico ou estadunidense, como tinha sido até ali e como acontecia com a maioria das bandas de rock brasileiras.

Os Paralamas do Sucesso em meados dos anos 80 | Imagem: Reprodução

Todas as experiências que eles estavam vivenciando ao viajar por diferentes estados brasileiros ia florescendo e ganhando mais e mais espaço, mais cores e mais luz na sensibilidade da banda.

Até que o baterista João Barone sofreu um acidente de carro, quebrou a perna e a banda deu uma parada nos shows, passando um momento mais intenso de ficar tocando juntos e compondo, já pensando no próximo disco. 

O trio teve então tempo para elaborar essas composições, para ouvir mais coisas e trazer referências novas. O Herbert Vianna e o Bi Ribeiro já estavam escutando mais a fundo as influências vindas da Jamaica e o Bi tinha uma quantidade enorme de música africana em disco e cassete , que o tio dele tinha trazido quando foi trabalhar na África. 

Desta forma, a banda foi colocando tudo isso em um grande caldeirão e juntando com outras coisas que já tinham vivido. Por exemplo: Herbert estudava perto da Favela da Maré, no Rio, e sempre passava por lá.

Ele então via um aspecto que era muito forte e muito intenso na sua sensibilidade naquele momento: ser exposto a quadros do dia a dia e da realidade daquela comunidade, com pessoas voltando trôpegas para casa de uma noite intensa, ou as mães arrumando os filhos para o dia, a sua ida para a escola. E aquilo era um Panorama muito intenso no despertar dos dias do vocalista.

O caldeirão de influências na música “Alagados”

Naquela época, Herbert também estava lendo muito o escritor baiano Jorge Amado, que trazia em seus livros quadros realistas em que descrevia sobre a Favela dos Alagados, na Bahia, local que a banda também visitou, e a realidade dos pescadores de lá, e fez uma correlação com a Favela da Maré.

O cantor também tinha lido recentemente a biografia do Bob Marley, que falava sobre a Favela de Palafitas na Jamaica, que era também chamada de Trenchtown, e acabou juntandoas três imagens das três favelas para compor o refrão da música “Alagados”.

“E a cidade, com os punhos fechados da vida real, lhes nega oportunidades e mostra a face dura do mal”.

A letra de “Alagados” retrata a rotina do brasileiro, de luta, do dia a dia: de acordar cedo, de ter que pegar ônibus, metrô, trem… sair do subúrbio ou da periferia para trabalhar de sol a sol, e – ainda assim – fazer festa na laje no final de semana, com o churrasco a cerveja.

Quando Herbert foi mostrar a letra da música para Bi e Barone, ele estava meio inseguro, porque parecia um samba e eles não tocavam samba. Então os três começaram a mexer com as possibilidades que a música dava e partiram para um caminho mais africano e acabaram encontrando um formato para “Alagados“.

A canção é a música de trabalho e abre o terceiro disco da banda “Selvagem“, de 1986, produzido pelo grande Liminha, que na época considerou uma grande responsabilidade, porque Os Paralamas tinham vindo de um sucesso anterior, que foi o álbum “O Passo do Lui”. 

Os Paralamas do Sucesso e Gilberto Gil | Imagem: Reprodução

Juntos, eles tiveram a ideia de chamar Gilberto Gil para gravar “Alagados” com eles no disco. A influência de Gil é gritante em “Selvagem” e não havia ninguém com mais ligação com a sonoridade daquele disco – e principalmente da música “Alagados” – do que o baiano, que bebia tanto da fonte da música africana.

Liminha também recomendou que o percussionista carioca Marçalzinho gravasse com Os Paralamas e foi ele quem inseriu o tamborim – um elemento do samba, principalmente das escolas de samba – em “Alagados“, música de uma banda de rock, que até aquele momento era – como tantas outras bandas de rock brasileiras dos anos 80 – influenciada pelo que vinha de fora.

Foi a primeira vez na história da música brasileira que uma banda uniu o rock and roll com elementos da música africana e com o samba, música brasileira de origem africana. 

Uma curiosidade: no meio da gravação original da música, Os Paralamas inseriram algo que observavam nos discos africanos, que durante os solos sempre tinha alguém falando algo bem lá no fundo, que você não conseguia entender direito o que era. 

Se você escutar com muita atenção, lá pelo minuto 03:17, Bi e Barone vão falando de maneira quase imperceptível uma dedicatória para os grandes artistas negros do Brasil, citando nomes como Luiz Melodia, Martinho da Vila, Paulinho da Viola e Gilberto Gil.

Recepção do público

Os integrantes da banda ficaram inclusive apreensivos de como o público brasileiro e o público da banda ia receber a sonoridade do álbum “Selvagem” e – principalmente – a música “Alagados“.

“Ou vai dar muito certo ou vai dar muito errado, porque é muito diferente do que a gente já fez.”, pensava Herbert Vianna.

Em “Alagados”, Os Paralamas do Sucesso deixavam de querer soar como uma banda de rock inglesa e assumiam totalmente a brasilidade, trazendo o ritmo, o tema da realidade das favelas e rompendo com tudo o que se fazia na época.

E deu muito certo! “Alagados” ampliou o conhecimento que o público e a crítica tinham a respeito do trabalho de Os Paralamas do Sucesso e a banda ganhou mais e mais fãs e mais e mais prestígio a partir do disco “Selvagem“.

O disco vendeu muito: passou de 700 mil cópias, enquanto o primeiro disco da banda não chegou em 20 mil cópias e o segundo bateu as 250 mil. E a agenda de shows dos Paralamas – que já era lotada – ficou ainda mais cheia! 

Outra curiosidade: Herbert fez uma aposta de que – se o disco vendesse mais de 500 mil cópias – ele ia dar a volta no estacionamento do prédio pelado. E cumpriu! De madrugada, quando tinha menos gente acordada para olhar pela janela, mas cumpriu!

O clipe da música “Alagados” e o sucesso internacional

Para o videoclipe de “Alagados“, Os Paralamas  conheceram Roberto Berliner, um jovem diretor de clipes novos, e com ele chegaram no que queriam passar com o clipe: algo que complementasse a linguagem do disco “Selvagem” e a contramão do glamour da coisa importada de fora. 

Valorizando as raízes brasileiras e africanas, o diretor captou o dia a dia de uma favela no Rio de Janeiro, fazendo algo que chamou de “anti-clipe”, diferente do que era feito até ali, com muitos efeitos, cortes rápidos, câmeras tortas, fumaça e pose de mal.

O resultado foi um clipe que mostra a realidade e o dia a dia do povo brasileiro: um documentário bem brasileiro, algo mais cru. A banda filmou em vários locais do Rio de Janeiro, flagrando situações cotidianas: no Morro de São Carlos, na Vila Mimosa, no baile funk do Estácio…

Com a música “Alagados”, Os Paralamas do Sucesso quebraram paradigmas, não só para eles mesmos, mas para toda a cena rock que existia na época. Eles acabaram com a regra vigente de que rock era rock, MPB era MPB (afinal, rock brasileiro não é Música Popular Brasileira?), punk era punk, heavy metal era heavy metal. Até então, a mistura que eles apresentaram em “Alagados“, trazendo uma brasilidade para o rock nacional, não existia. E, a partir daí, quase todas as bandas de rock brasileiras incorporaram a brasilidade ao seu som!

Alagados” teve retorno comercial, inclusive, fora do Brasil. Foi a primeira música que a banda lançou no mercado latino, fora do Brasil, com letra cantada em espanhol e com o título de “Inundados”. Depois disso, Os Paralamas do Sucesso passou a ser um imenso sucesso na América Latina como um todo.

Alagados” entrou para a lista das “100 maiores músicas brasileiras de todos os tempos”, feita pela revista especializada Rolling Stone Brasil, em 2009,na posição número 63. É música obrigatória em todos os shows de Os Paralamas do Sucesso há 40 anos, e o momento de maior catarse coletiva do show.

Em 2005, foi inaugurada a “Lona Cultural Herbert Vianna”, na Favela da Maré, que – em 2009 – virou “Areninha Cultural Herbert Vianna”, gerenciada pela Redes da Maré. O nome do músico foi escolhido em uma votação feita entre os moradores da comunidade.

Trata-se de um equipamento da Secretaria Municipal de Cultura, que promove atividades de arte, cultura e lazer para crianças e jovens da Maré.

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS