Qual o preço você pagaria para salvar vidas?
A Campinas do final do século XIX assistiu a diversos espetáculos maravilhosos, que encheram as ruas com festas e cores, procissões e comemorações, mas também com dores e luto.
Recebemos, com quatro mil pessoas extasiadas, a visita do Imperador D. Pedro II, com toda a pompa que se fez necessário para mostrar a vida pujante da capital agrícola do estado.
Recebemos também perto de 15 mil pessoas para as despedidas do corpo do grande maestro Carlos Gomes no cemitério do fundão, atual Cemitério da Saudade.
Foi assim, neste encontro de mundos, que os campineiros de outros tempos assistiram, magoados, à despedida de um dos maiores mártires da medicina que nossa região já viu.
Tudo aconteceu mais ou menos assim:
Em um dia típico de fevereiro, naquele ano de 1889, correu a notícia de que uma jovem visitante em nossa cidade faleceu de febre amarela. Essa notícia causou algum alarde, já que no Rio de Janeiro, que na época era nossa capital nacional, havia um surto terrível desta doença.
Essa jovem moça estava hospedada em uma pensão que funcionava na rua do Bom Jesus, atual Campos Sales e poucos dias depois, o alarde aumentou, pois um menino que vivia próximo, também faleceu da mesma doença. Na sequência, a família do dono da pensão, sr. Ulrich, também foi atingida mortalmente.
Pouco a pouco, casos e mais casos foram surgindo com os relatos mais horripilantes. Eram dores fortes que duravam dias, com diarréias, vômitos sanguinolentos e muita agonia antes que o doente fechasse os olhos pela última vez.
Foi neste contexto de medo e sofrimento que muitas pessoas morreram dentro de casa, abraçados aos filhos, tamanho era o receio de abrir as portas para sair de casa. Muitos destes campineiros amedrontados foram encontrados pela polícia depois que o odor de seus corpos se espalhavam pelos quarteirões.
Em um cenário como estes, quem tinha dinheiro para fugir, simplesmente fugiu. Da Câmara de vereadores, que governava a cidade na época, só restaram mesmo o presidente, José Paulino e poucos corajosos que ousavam se reunir nas imediações, mas nunca no prédio da Câmara, que ficava onde hoje é a praça Bento Quirino no centro da cidade.
Foi assim que o antigo “Circolo Italiano Uniti”, espaço social, cultural e de assitência aos italianos transformou-se aos poucos no hospital que conhecemos hoje como Casa de Saúde de Campinas.
Que o diga e freira, cuja históra contaremos em outro momento e que hoje dá nome à avenida que margeia a frente do paço municipal, pois ela morreu lutando para salvar vidas nesta mesma época em outro hospital.
Mas o nosso foco aqui é tratar da vida e morte de um grande homem de pouco mais de trinta anos de idade.
João Guilherme da Costa Aguiar.
Em uma cidade que viu sua população diminuir para a casa dos cinco mil habitantes, nem mesmo os médicos ou farmacêuticos ficaram para ajudar a população.
Claro, todos temiam o fantasma que polvilhava a doença em todos os cantos, de maneira aleatória, sem mais explicações. Ninguém sabia como contrair esta doença. A única certeza era que a possibilidade de uma morte agonizante, sufocante e dolorosa estava muito próxima de quem fosse tocado por este mal.
Os passos do jovem doutor Costa Aguiar no entanto eram ouvidos pelos corredores do hospital. Quando não estava de plantão, seguia pela ruas da cidade visitando doentes em suas casas. Fazia dez, vinte, trinta visitas em um único dia. A saudade da família, que ele despachara para outra cidade, ele sufocava escrevendo cartas. Fico imaginando se ele sabia qual seria seu destino enquanto desafiava a morte chegando tão perto dos moribundos durante os tratamentos.
Sentiu-se fraco, diminuiu seus passos, queixou-se de dores e sentiu o gélido hálito da morte arrepiar-lhe o corpo.
Sentiu-se fraco, diminuiu seus passos, queixou-se de dores, recolheu-se para junto de sua família e expirou.
Assim nos deixou o dr. Costa Aguiar, que hoje dá nome para a rua que antes se chamava “Constituição” no centro de Campinas.
Ele podia ter escolhido viver, como tantos outros o fizeram, mas a exemplo do que só os heróis conseguem fazer, ele preferiu entrar para a história.
Convido você, querido leitor, a honrar a memória deste grande personagem de nossa cidade quando passar pela rua que leva o seu nome, contando para alguém, quem foi nosso querido dr. Costa Aguiar!