A maior corrida de rua de todos os tempos

Sidney Rocha
Sidney Rocha
Professor de história e geografia, nascido e criado em Campinas e apaixonado pela cidade. Com uma formação acadêmica complementada pela vivência nos diversos estratos sociais que compõem nossa rica região, gosto de contar histórias que encantem e levem à reflexão em busca de um mundo mais saudável para todos os aspectos da experiência humana. Convido você a acreditar que conhecer os fatos do passado faz parte da nossa jornada pela vida, afinal recordar é viver.
A maior corrida de rua de todos os tempos

Até onde vale a pena correr para ser livre?

Foi num dia de Setembro de 1885 que Campinas parou para assistir ao maior espetáculo da Terra.

Já fazia algum tempo que o Diário de Campinas, de propriedade do grande Jornalista Alberto Sarmento anunciava a chegada do homem locomotiva, Achylles Bargossi, o italiano que competia no mundo todo também sob a alcunha de “Andarilho.”

Parecendo ter músculos de aço, nosso aventureiro do velho mundo divertia-se às custas de seus oponentes que em tempo algum poderiam sequer sonhar em vencê-lo no campo das corridas de rua.

Para ser mais preciso, Achylles não se contentava em disputar tais corridas com homens, antes, desafiava os cavalos para uma boa corrida. Imaginem só, quanta coragem em um único ser humano. Acontece que ele continuava a corrida por muitos quilômetros depois que os cavalos já haviam desistido.

Naquele dia 04 de Setembro do ano de 1885, ao chegar em nossa cidade, tendo vindo do Rio de Janeiro onde se apresentara para multidões, teve como único rival um homem a cavalo, cujo nome a história não se preocupou em preservar, nem o nome do homem nem o nome do cavalo.

Talvez, se me sobrar tempo em algum momento no futuro eu me dedique a pesquisar os seus nomes, porque até aqui me interessa apenas o momento do início, quando o apresentador de corridas do Hipódromo do Bonfim, localizado onde hoje é o Sesc Campinas, anunciou que chegara mais um candidato.

Seu nome? Esse a história cuidou de preservar: Theodoro, um escravo vindo de uma fazenda distante 28 quilômetros.

Estamos então em Campinas, final do século XIX em uma corrida no hipódromo com apenas 3 corredores. Um homem a cavalo, um corredor italiano de renome internacional e um escravo de nome Theodoro.

Dada a largada, em poucos quilômetros o cavalo é o primeiro a desistir. Permanecem o atleta italiano, devidamente vestido para a corrida, com calçados adequados e bem hidratado e seu oponente, descalço e cansado da caminhada de quase trinta quilômetros para chegar ao local da corrida. Theodoro centraliza em si toda a atenção do público, uma vez que em meio ao suor e ao cansaço ainda encontrava ânimo para passar à frente do italiano e correr de costas fazendo gracejos para o público.

Quem sabe o que se passava em sua cabeça enquanto seus pés descalços tocavam o chão fresco daquela prévia de primavera?

Talvez seus pensamentos voassem em todas as direções da cidade que ele gostaria de visitar se fosse livre. Ou quem sabe estivesse ainda com os pensamentos presos na camihada de mais de 50 quilometros do dia anterior em que estivera na cidade comprando remédios para o seu senhor ?

Theodoro foi um guerreiro neste dia. Ignorou o cansaço e a poeira que entravam pela sua garganta mal hidratada e não sentiu raiva do seu oponente que levava ao rosto todo instante um lenço de sua esposa embebido em soluções estimulantes.

Theodoro estava sozinho. Sozinho, cansado e com sede. E theodoro correu como ninguém em todo o mundo havia corrido.

Ele enfrentou a distância, as suas próprias llimitações e sorriu enquanto passou à frente do italiano para virar-se de costas enquanto corria e desafiava o europeu com gracejos.

Foi uma corrida de quase três horas de pura emoção para o público.

Ao final, Theodoro já combalido pelo cansaço, pois havia trabalhado o dia anterior na lavoura, acabou não conseguindo chegar em primeiro lugar.

Era uma corrida que passava um pouco dos trinta quilômetros e, embora o famoso andarilho tenha conseguido vencer a prova, o sucesso foi todo atribuído a Theodoro, que foi carregado nos ombros pela população. Teve até banda de música tocando em sua homenagem.

Dizem que até mesmo o grande Homem Locomotiva o tratou com respeito e naquela noite jantaram juntos.

Em um futuro não muito distante daqueles dias o italiano Bargossi… Coitado, faleceu durante uma caminhada de longa distância em um país perto do Brasil.

Como o diagnóstico de sua morte foi “Febre Cerebral” causada por insolação, maldosamente foi dito que Achylles Bargossi cuidou dos músculos e esqueceu-se de cuidar dos miolos.

Já o jovem Theodoro teve um destino inusitado para alguém em sua condição, ele teve sua carta de alforria assinada em função deste seu sucesso e seu nome mudou para Theodoro Bargossi!

Hoje esses dois homens deixaram a vida, como diria um antigo presidente do Brasil, para entrar na história, mas o largo do Rosário continua lá como uma testemunha silenciosa desta prodigiosa corrida que terminou ali, bem no coração da cidade de Campinas com uma população energicamente louvando em vivas os feitos inimagináveis da vontade de vencer de um jovem então escravizado.

Essa foi, de fato, uma verdadeira corrida pela liberdade!

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