Os moradores de rua em Campinas

Sidney Rocha
Sidney Rocha
Professor de história e geografia, nascido e criado em Campinas e apaixonado pela cidade. Com uma formação acadêmica complementada pela vivência nos diversos estratos sociais que compõem nossa rica região, gosto de contar histórias que encantem e levem à reflexão em busca de um mundo mais saudável para todos os aspectos da experiência humana. Convido você a acreditar que conhecer os fatos do passado faz parte da nossa jornada pela vida, afinal recordar é viver.
Guarda municipal cria grupo antivandalismo em Campinas
Imagem: Divulgação/ Prefeitura

Atualmente nossa cidade vive às voltas com queixas cada vez mais frequentes quanto à quantidade de moradores de rua que andam pelas ruas da cidade. Se de um lado existem aqueles que se alegram com as novas que chegam do poder central ordenando que haja espaço nas cidades para que os moradores de rua circulem livremente, existem também aqueles que criticam de maneira feroz a impossibilidade de se usar de ferramentas do Estado para conter a gigantesca onda de indivíduos que perambulam errantes pelas cidades.

Note-se a lei “Padre Julio Lancelotti” recentemente regulamentada pela presidência da república proibindo o que se chama de “arquitetura hostil”, ou seja, proibindo que se coloque tapumes, gotejamento no teto de marquises ou pontas de lanças em espaços de frente para comércios com objetivo de limitar o acesso dos moradores das ruas.

Para apimentar ainda mais as discussões são acrescentadas as mazelas causadas pelo uso de drogas e álcool em quantidades desmedidas por muitos destes indivíduos.

Afinal, são pessoas desafortunadas que se encontram em situação de rua ou são pessoas que optaram pelo caminho da liberdade de ir e vir sem ter um teto e uma obrigação para com a custosa construção das instituições de Governo e de Estado?

Pagar impostos é muito caro, comprar comida e roupas também, isso todos já sabem. Seria então um caminho escolhido para se viver sem essas obrigações?
Se for, qual seria o limite para se permitir essa circulação totalmente livre pela cidade? Existe justiça em proibir a circulação de moradores de rua em Campinas?

O propósito deste artigo, embora não pareça, está bem longe de procurar responder a essas questões. Antes, o objetivo aqui é expor o quão antiga é essa discussão.

No documento em que D.Luiz Antonio de Botelho Mourão, lá na segunda metade do século XVIII(18) ordena a Barreto Leme que se construa um povoado que daria origem à nossa cidade, ele cita a necessidade de se trazer para cá todos os indivíduos que se pudesse arrebanhar, inclusive aqueles sem teto par viver, que andassem errantes. Era a perfeita descrição do que conhecemos hoje como “pessoas em situação de rua.”

Como se vê, essa questão surge junto com a gênese de Campinas.

Em outro momento, nota-se ainda a questão das pessoas ditas “marginalizadas” em documentos já da segunda metade do século XIX(19) com respeito ao antigo mercado que atendia como o Mercado Municipal de hoje.

Este mercado foi construído em 1871 bem perto do monumento túmulo de Carlos Gomes e na época a queixa dos comerciantes era de que durante a noite o local era ocupado por indivíduos que acendiam fogo, bebiam e deixavam detritos e todo tipo de sujeira no local para que os comerciantes limpassem logo pela manhã antes de abrir o comércio.

Francisco Glicério era um dos vereadores da cidade na época e participou de discussões a este respeito. Por fim, as queixas foram tantas que acabaram optando por fechar o mercado e abrir em outro local, onde hoje fica o Largo das Andorinhas, na esquina entre a rua Dr. Thomaz Alves e Av. Anchieta.

Já no início do século XX, pasmem com a notícia:
Um censo de 1902 mostra que havia pouco mais de 40 “mendigos em campinas” e um deles, adivinhem só, era a dona Maria Candelária Madrinha do grande maestro Carlos Gomes.

Então, como anunciado logo no início de nosso diálogo, a proposta aqui é deixar claro que essa discussão realmente não começou recentemente e pelo jeito, também não terminar tão cedo assim.

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