Uma praça com muita história para contar

Sidney Rocha
Sidney Rocha
Professor de história e geografia, nascido e criado em Campinas e apaixonado pela cidade. Com uma formação acadêmica complementada pela vivência nos diversos estratos sociais que compõem nossa rica região, gosto de contar histórias que encantem e levem à reflexão em busca de um mundo mais saudável para todos os aspectos da experiência humana. Convido você a acreditar que conhecer os fatos do passado faz parte da nossa jornada pela vida, afinal recordar é viver.
Imagens: Facebook/ Imagens de Campinas

Quantos segredos existem escondidos na praça XV de Novembro, no Cambuí?

Quando os primeiros tropeiros chegaram às paragens das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí, que no futuro se tornariam a cidade de Campinas, se depararam com uma mata exuberante da qual conhecemos apenas os restos presentes em poucas porções de bolsões verdes.

Isso tudo aqui era mato, e isso não é um jargão de propaganda política, era mato mesmo. A vegetação predominante em nossa cidade ainda no século XVIII, quer dizer, nos anos 1700, era constituída de mata atlântica, com árvores latifoliadas e perenes. Basta olhar para a serra do mar, que dá para se ter ideia de como nossa região era tomada pelo verde das matas.

E qual seria a relação dessa descrição da geografia física da cidade com a existência de uma praça no bairro Cambuí?
É que para sorte de quem viajava por este caminho, em meio ao mato grosso das florestas de outrora, havia três campinas, quer dizer, três descampados que serviam de pouso aos tropeiros que viajavam cerca de mil quilômetros até a região de Goiás atrás de ouro.

Um destes descampados era justamente onde hoje está a praça XV de Novembro.
É ali que ficava o ponto de partida para o início da viagem para o caminho dos Goiazes. Era ali também a porta de entrada por onde chegavam os viajantes oriundos de Minas Gerais e Goiás, além de muitas cidades da região. A importância desta praça, antes de ser praça era tamanha que se formou uma comunidade ao seu redor. É ali, em suas imediações que ficava a rua da Pinga… Também era ali que os escravizados recém chegados à cidade passavam o período de quarentena antes de serem distribuídos pelos mercados de escravos.
Na década de 1860, tendo o Brasil entrado em guerra contra o Paraguai, os soldados que para lá marchavam, precisaram parar para descansar em nossa cidade e também foi ali que a tropa encontrou descanso, revelando mais uma vez o caráter acolhedor para quem viaja para longe.

Muitos destes soldados jamais voltaram para suas casas e viram em Campinas, durante pouco mais de dois meses, os últimos momentos de alegria em suas vidas. Há uma rua no bairro botafogo em Campinas que leva o nome de um oficial que ficou em nossa cidade nesta ocasião, trata-se do Visconde de Taunay, que ajudou inclusive na avaliação da construção da Catedral, que não havia sido ainda inaugurada nesta época.

Só isso já seria justificativa bastante para que essa praça deixe de ser apenas mais uma praça em nossa cidade, mas há ainda um fato lamentável ocorrido neste lugar e que deve também fazer parte de nossas memórias.

No começo da década de 1830 ocorreu a morte de um senhor de escravos em uma fazenda da região.

O principal suspeito, um escravizado de nome Elesbão. Jovem ainda, foi preso pouco tempo depois do crime e, acusado, não dispôs de meios para sua ampla defesa. Condenado ainda com base nas ordenações Filipinas, quer dizer, condenado baseado em um conjunto de leis arcaicas que em nada atendiam às demandas daquela sociedade às portas das transformações promovidas pela industrialização do século XIX, o moço foi enforcado naquela praça.

Não foi a única pessoa enforcada em Campinas, mas foi a única que se tem notícia que teve suas mãos e sua cabeça separadas do corpo por um cutelo.

Suas mãos ficaram expostas até que mudassem de cor. Sua cabeça, espetada em uma lança, foi colocada em uma caixa e levada para Jundiaí, onde ficou também exposta para mostrar a todos o horror de se enfrentar um senhor de escravos.

A morte de Elesbão é um daqueles capítulos da história que merece ser examinado mais detidamente a fim de se preservar na memória da cidade e da região o nosso histórico de relacionamentos institucionais do passado.

É preciso lembrar, ponderar e refletir para que erros como esse não aconteçam novamente. Em tempo :Nunca saberemos se o jovem Elesbão foi mesmo o autor do assassinato ou não, já que sua defesa não foi feita como deveria.

Por muito tempo, aquele local ficou conhecido como Largo da Forca, mesmo depois que a forca saiu dali para outra praça, atrás da escola Francisco Glicério… Mas essa é outra praça, com outra história, para um outro momento!

Obrigado por ter acompanhado essa história até aqui, por favor envie sugestões de novos temas sobre a cidade, vamos juntos viajar no tempo em Campinas.

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